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Crônica: O Homem Moderno e o Beijo de Judas

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Ah, o homem moderno! Tão civilizado, tão cheio de certezas, de discursos inflamados e de palavras que soam bonitas na teoria, mas que murcham no calor da realidade. O homem de hoje, com sua camisa social impecável e seu celular de última geração, pensa que deixou para trás todos os mitos e lendas do passado. Mas não se engane, meu amigo: o homem moderno é, no fundo, um Judas com um sorriso de marketing, capaz de vender a própria alma — e a dos outros — pelo preço de trinta moedas de conforto. Sim, Judas, o traidor, não está morto. Muito pelo contrário. Ele está mais vivo do que nunca, andando entre nós de cabeça erguida, orgulhoso de seus feitos. Porque o homem moderno olha para Deus e, no fundo de sua alma (se é que ainda acredita ter uma), acha que Ele deveria ser algo mais prático, mais funcional, mais eficiente. Judas, o primeiro homem prático da história, fez o mesmo. Olhou para Jesus, viu seus milagres, ouviu suas palavras sobre amor e perdão, e teve aquela certeza moderníssima:

Crônica: O Sofrimento de Jó, Carioca da Gema

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Jó era um típico sujeito do Rio de Janeiro. Nascido e criado em Copacabana, ele tinha aquela altivez disfarçada de modéstia, o andar gingado de quem conhece cada esquina da Zona Sul e o sorriso meio cínico, meio sincero, que só o carioca é capaz de exibir. Não havia ninguém no bairro que não soubesse de sua sorte e prosperidade: o apartamento de frente para o mar, a esposa bonita e fiel, filhos estudando nos melhores colégios particulares, e uma carreira de sucesso como comerciante no Centro, onde todos o respeitavam. Até o síndico do prédio tinha um certo respeito reverente quando falava de Jó. Mas, como bem sabemos, Deus não perdoa a felicidade em excesso, e o Diabo, que nunca sai de férias nem no verão carioca, resolveu testar a fé do nosso Jó. Não levou muito tempo para que a roda da fortuna, que girava alegremente em torno do bom sujeito, começasse a ranger como um bonde velho em Santa Teresa. Tudo começou com um roubo. A lojinha de Jó, que até então prosperava como se fosse abenç

Berserk: A Tragédia de um Mundo Sem Deus

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Há algo de profundamente visceral, um tom de tragédia grega mesclada com o delírio de um romance naturalista, em Berserk, essa obra que se ergue como uma catedral gótica do desespero. Kentaro Miura, o autor, talha cada página como se fosse um entalhador medieval — meticuloso, feroz, e devoto apenas à carne crua da verdade. Se eu fosse definir Berserk em uma palavra, esta palavra seria "pecado". Porque aqui, como na vida, o pecado é o que rege cada ação, cada escolha, cada gesto. Guts, o protagonista, é o nosso anti-herói por excelência. Um Sísifo medieval, empurrando a rocha do seu ódio e da sua vingança por um inferno de horrores impensáveis. A cada batalha, a cada inimigo desfigurado pela maldade, há um lampejo da nossa própria bestialidade. Guts não é um herói — ele é a anti-heroicidade encarnada, alguém que renunciou à esperança para abraçar o inferno particular de sua existência. Não há luz nos seus olhos, mas o brilho do aço, da espada imensa que ele carrega como um far

A Economia de um Filho – ou o Pai de Pet

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  Hoje em dia, ter um filho virou luxo. Não há dúvida: em tempos de planilhas e planilhas financeiras, criança saiu de moda. Dizem que custa caro. Muito caro. Alega-se que é um investimento de longo prazo, desses que só dá retorno emocional — e olhe lá. Em contraste, os casais modernos adotam outro tipo de herdeiro, mais “prático”, mais silencioso: o cachorro. Ou o gato. Ou qualquer criatura de quatro patas que permita uma “paternidade” menos custosa. E assim, surgiu o “pai de pet”, uma figura que tenta preencher o espaço do instinto paternal sem o peso real de criar uma vida humana. Por trás dessa substituição, ergue-se uma nova moral: o filho é caro demais, exige tempo, paciência, noites em claro e um orçamento que parece nunca fechar. Já o pet, ah, esse é companheiro, é fiel, mas, acima de tudo, é administrável. Um pacote de ração, um plano de saúde, um veterinário aqui e ali, e pronto — temos a ilusão de família. E então, nas redes sociais, circulam as fotos com legendas onde o “fi

Crítica : Shameless: A Comédia Trágica da Morte dos Pais

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  "Shameless" não é apenas uma série. Não se enganem. Ela é um espelho, distorcido e grotesco, da decadência moral e educacional que permeia nossas casas, nossas famílias e, principalmente, nossa sociedade. E por mais que a humanidade se escore em seus vícios, rindo do absurdo, a verdade é que não há humor suficiente para salvar a podridão que vemos nas telas. Os Gallagher não são apenas personagens de uma ficção; são os filhos do abandono, da irresponsabilidade e da falta de vergonha de uma geração de pais que se esqueceram do significado mais simples e mais necessário da vida: a paternidade. Frank Gallagher, o protagonista, é o protótipo do pai moderno. Não aquele pai ausente que só falha porque não tem tempo, mas o pai que falha porque escolhe falhar. Ele é alcoólatra, vagabundo, egoísta e desonesto. Mas, o pior de tudo, ele é um reflexo da geração que, com um sorriso de escárnio, se distanciou dos seus filhos, achando que a "liberdade" que pregavam era uma espé

Chiara Corbella: A Santa que Rasgou o Manual do Desespero

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Chiara Corbella foi dessas mulheres que só se encontra nas fábulas — ou naquelas histórias mal contadas que a avó repete na sala de estar. De aparência frágil, mas com uma força que esmagaria os nossos frágeis conceitos de amor, ela ousou rasgar o manual do desespero com a mesma elegância com que se quebra um cristal. Em tempos de contratos pré-nupciais, amores calculados e medo de se entregar, ela provou que o verdadeiro amor ainda é possível, mesmo à beira da morte. Quando Chiara soube que a vida não lhe daria o tempo que a maioria de nós toma por garantido, decidiu que cada minuto seria um ato de amor. Fez o que poucos fariam: recusou os tratamentos agressivos que poderiam prolongar sua vida, mas colocariam em risco a criança que carregava no ventre. Nasceu Francesco, seu filho, e, ao contrário dos contos de fadas que terminam com um "felizes para sempre", a história de Chiara avançava rumo a um final que, aos olhos de muitos, seria o epílogo mais triste possível. E foi al

O Amor que Nunca Chega

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  Ah, meus amigos, o que é mais trágico do que o amor não correspondido? Que fatalidade mais grotesca do que esse beijo que nunca foi dado, essa promessa de felicidade que evapora como fumaça? No palco de nossas vidas, onde todos buscam amor, carinho, um toque sincero — e, claro, aplausos para a peça que escrevemos com o coração — há aqueles que, em vez disso, ouvem o estridente som das portas se fechando na cara. Eles estão destinados a encenar sempre o papel do rejeitado, o coitado que leva a rosa à sua amada e volta com um espinho cravado na alma. Homens e mulheres igualmente caem nessa armadilha do destino. O homem que leva o buquê, esperando um sorriso, e recebe um "não" gelado. A mulher que suspira por alguém que não enxerga seu carinho e segue a vida como se ela fosse invisível. Essas são as almas que caminham pela cidade como náufragos, em terra firme, arrastando o peso de suas rejeições e tentando decifrar onde, afinal, foi que tudo desandou.  E o que se faz com esse