O Homem Invisível: Uma Tragédia da Moralidade Abandonada
O verdadeiro horror de O Homem Invisível não está nos sustos nem nos efeitos especiais. Está, sim, no abandono da alma. E, por alma, entenda-se tudo aquilo que faz um homem ser homem. O cientista, que se torna invisível, desaparece não só aos olhos do mundo, mas aos olhos de Deus. Desaparece, sobretudo, aos olhos da sua esposa — e isso, meus amigos, é uma tragédia que nem mesmo Shakespeare conseguiria imaginar.
Eu lhes pergunto: o que faz um homem perder o rosto, o corpo, a carne? Simples: ele perde a moral. Porque o pecado não é uma questão de capricho divino; é o estado natural de quem se esconde da luz. O pecado é a máscara que, um dia, se torna o próprio rosto. E, nesse caso, a máscara é a própria ausência — a falta de coragem de se expor, de se mostrar, de ser visto.
O homem de *O Homem Invisível* não passa de um covarde que, ao se render à sua própria loucura, renega a única coisa que poderia redimi-lo: o amor. Porque o que vemos é um marido que se esquiva da responsabilidade. Ele deveria proteger, guiar, cuidar. Mas não. Ele opta pelo caminho mais fácil — o da tirania. E assim, meu caro leitor, o amor conjugal é transformado em algo pior do que o ódio. É transformado no desprezo silencioso, na indiferença doente, na violência disfarçada de invisibilidade.
E a esposa? Ah, a pobre esposa! Ela não é uma mulher, é uma santa. Uma santa que, ao invés de ser venerada, é sacrificada no altar da arrogância masculina. E vejam bem: não falo da submissão como subserviência. A mulher cristã, a verdadeira, é submissa como quem ama, como quem confia. Mas a esposa do homem invisível é uma vítima do desamor. Seu sofrimento não é físico, é existencial. Ela é perseguida por um homem que deveria morrer por ela, mas que prefere vê-la definhar na angústia. A submissão cristã, que deveria ser uma coroa de flores, é transformada em uma coleira de aço.
Se me perguntarem o que eu penso do final do filme, responderei com um suspiro. A mulher, finalmente, triunfa sobre o homem invisível, mas que triunfo é esse? É a vitória dos derrotados, dos que não têm outra opção senão devolver o mal com mal, a ofensa com a vingança. A justiça, ali, é uma caricatura grotesca da justiça divina. Porque, no fundo, o que *O Homem Invisível* nos diz é que o perdão está morto, enterrado sob a vaidade dos homens.
Sim, o homem tornou-se invisível porque deixou de ser homem. Ele é a imagem de uma humanidade que perdeu a noção do sagrado, do matrimônio, da entrega. Ele é o espelho de uma sociedade que se esconde, que não quer se ver, que tem medo de olhar nos olhos do próximo — e nos olhos de Deus.
Portanto, *O Homem Invisível* não é apenas um filme de terror. É uma parábola moderna, um aviso solene de que, quando deixamos de amar, tornamo-nos sombras, vultos, fantasmas que vagueiam pela vida sem deixar rastro. E isso, meus amigos, é a verdadeira maldição: não sermos vistos porque não temos nada digno de ser visto.
Nelson Rodrigues assinaria embaixo. Porque ele sabia, como ninguém, que a verdadeira tragédia é viver uma vida sem rosto, uma vida sem amor, uma vida invisível.
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