Crítica Filme a Lenda: “A Tentação Usa Vestido Preto” — Uma Tragédia em Flor e Chifre

 


“A Lenda” não é apenas um conto de fadas. É uma missa negra, um teatro grego, um beijo no rosto dado pelo diabo em pessoa. É a história de como a beleza seduz, como a pureza vacila, e como o mal — ah, o mal! — aparece mais bem vestido que todos os anjos do céu.

Sinopse à moda antiga, com pecado e purpurina

Jack é um jovem da floresta, meio selvagem, meio santo, completamente apaixonado por Lily, uma princesa que tem o rosto de um anjo e o coração… bem, o coração é terreno demais. Lily, como toda mulher de tragédia, não resiste à tentação de tocar o que é sagrado — os unicórnios — e com isso entrega o mundo à escuridão.

A floresta mergulha na noite. O Senhor das Trevas, que parece ter saído de um pesadelo dirigido por Dante Alighieri e maquiado por um demônio apaixonado por teatro, aparece com seus chifres monumentais e sua voz cavernosa para oferecer a Lily o que ela nunca teve: o poder de ser desejada pelo próprio mal.

A Tentação não é gritada. É sussurrada.

O mais terrível do filme não é o monstro. É o sussurro. O flerte. O vestido preto que dança sozinho. É a cena em que Lily, em silêncio, é seduzida pelo próprio reflexo invertido.

E isso, Nelson diria, é Brasil puro: a tragédia da mulher que se encanta com o próprio espelho, e do homem que vira cachorro de tanto amar.

O Diabo usa látex: a maquiagem contra o plástico digital

Tim Curry, o Senhor das Trevas, é o último grande demônio do cinema feito à mão. Aquilo não é CGI. É látex, suor, cola, horas de maquiagem, e um pacto estético com o próprio inferno.

Hoje, se refizessem “A Lenda”, fariam o demônio no computador — bonito, limpo, rápido, sem alma.

E é aí que reside o maior pecado do cinema moderno: tudo é perfeito, mas nada é verdadeiro.

Antigamente, o mal era imperfeito, mas você sentia o peso dos chifres.

A fotografia: um sacrário de luzes e sombras

A floresta de Ridley Scott não é floresta — é catedral. Cada raio de luz parece ter saído de uma pintura barroca. Cada sombra carrega uma culpa. Há neblina com pecado. Há flor com presságio.

O filme é um poema visual. Um salmo com musgo e tragédia.

Hoje, a maioria dos filmes parece uma tela de celular: tudo claro, reto, previsível. Ridley Scott, aqui, ainda filmava como um pintor que lê a Bíblia à luz de velas.

No fim, o mal dança melhor

A Lenda nos diz aquilo que todos sabemos, mas não suportamos dizer:

o mal seduz.

O bem hesita.

E o amor verdadeiro — aquele que Jack representa — é sempre o último a chegar na festa. Chega cansado, sujo, com fome… mas ainda chega. E salva.

Mas o preço é alto. E o diabo?

Ah… o diabo volta amanhã. Sempre volta.


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