“A vilã que não sabia que era vilã (e o rapaz que amou demais)”

Estava eu em casa, numa dessas noites solitárias em que a alma parece pedir companhia e o catálogo do streaming oferece melancolia em alta definição. Eis que me salta aos olhos um título conhecido: 500 Dias com Ela. Eu já tinha visto, claro. Uma vez, duas talvez. Mas ali, parado, pensei: “E se eu assistir de novo com o pensamento que tenho hoje? Será que ainda vou odiar a Summer? Será que ainda vou sentir pena do Tom?”

Apertei play.

E ali estava ela: Summer, a moça inteligente, enigmática, que desde o começo dizia que não queria nada sério. E ali estava ele: Tom, o arquiteto romântico, vítima das suas próprias ilusões, que insistia em projetar nela a mulher perfeita que só existia na sua cabeça — uma mistura de Amélia com a musa de um clipe dos Smiths.

No primeiro olhar, Summer parecia a vilã. Depois, Tom, o bobo. Mas hoje, com o Brasil atolado até o pescoço na lama emocional das redes sociais, do Tinder, do narcisismo e da autoajuda tóxica, percebo algo muito mais fundo — e muito mais podre.

Essa história não é deles. É nossa. É a do jovem brasileiro, do casal da faculdade, do crush que responde “kk” e some. Dos que se encontram no sábado à noite para se esquecer no domingo de manhã. É o amálgama do amor moderno: confuso, covarde, líquido.

Segundo o IBGE, em 2024, quase 30% dos brasileiros entre 25 e 34 anos nunca tiveram um relacionamento duradouro. E pior: não querem ter. Preferem a liberdade que nunca os liberta. Preferem “não se apegar” — como se o apego fosse lepra.

Nelson Rodrigues escreveria assim:

“Amar virou cafona. Sentir virou fraqueza. E pedir exclusividade é um crime de lesa-Instagram.”

Machado de Assis diria que o amor se transformou em um teatro de máscaras, onde todo mundo mente para si mesmo em silêncio — com sorriso nos lábios e o WhatsApp aberto em segundo plano.

Que isso é o resultado de uma engenharia emocional globalista, onde o amor é mercadoria e o outro é descartável como copo de plástico de motel barato.

Summer nunca enganou Tom. Ele se enganou. E ela, como toda pós-moderna treinada na escola da dúvida, também não sabia o que queria — mas gostava de ser desejada. Essa é a tragédia dos amores de hoje: ninguém quer compromisso, mas todo mundo quer ser amado como se fosse eterno.

O jovem brasileiro está perdido não por falta de opções, mas por excesso de possibilidades que não significam nada. É um buffet emocional onde ninguém come de verdade, mas todos saem empanturrados de frustração.

Tom não amava Summer. Amava a ideia de Summer. Summer não recusava Tom. Apenas gostava do espelho que ele oferecia. No fim, não era um romance: era um espasmo emocional embalado em trilha sonora indie.

E nós? Estamos piores. Porque achamos que amar é esperar alguém que nos salve da solidão — mas fugimos assim que alguém se aproxima.

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