A Eterna Tragédia da Traição

 

Ontem me deparei com uma notícia que parecia saída das páginas mais sombrias de um folhetim policial. Uma mulher, tomada por um ciúme que nem sequer tinha provas, despejou uma panela de água fervente sobre o marido. A suspeita? Uma mensagem, talvez um boato, talvez uma ilusão. Não havia certeza mas havia a violência.


E eu me pergunto: a traição é algo tão hediondo a ponto de justificar o surto, a fúria, a mutilação? Ou será que nos tornamos escravos de uma cultura que alimenta a suspeita e o ressentimento como se fossem combustíveis do amor?


As estatísticas são claras: pesquisas apontam que entre 40% a 60% dos relacionamentos já sofreram algum tipo de infidelidade. Isso não é apenas um dado; é uma tragédia anunciada, repetida, cantada em refrões de música popular, em novelas e séries que fazem da traição um espetáculo. Basta lembrar a canção “50 Reais”, que fez multidões cantarem a desgraça da infidelidade como se fosse catarse coletiva.


Mas pergunto: quando foi que a traição deixou de ser exceção para se tornar entretenimento?


Machado de Assis já sabia que a alma humana é um labirinto de sombras. Bentinho enlouquece com a suspeita de que Capitu o traíra. E nós, séculos depois, continuamos reféns da mesma neurose: uma simples mensagem no celular é suficiente para atear fogo às vezes literal em um lar inteiro.


Lima Barreto via o povo como um rebanho perdido, entregue às ilusões do progresso, mas incapaz de enfrentar a própria miséria moral. Talvez, se ele escrevesse hoje, diria que nossa desgraça é cantar a traição na rádio, rir dela nas novelas e, ao mesmo tempo, chorar quando a tragédia bate à porta.


São Tomás de Aquino dizia que o pecado da luxúria corrompe não apenas o corpo, mas a alma inteira, desviando-a do centro em direção ao abismo. Santo Agostinho, em suas Confissões, já reconhecia: “O meu peso é o meu amor: para onde me inclino, é isso que me leva.” Se amamos errado, somos tragados pelo erro.


Olavo de Carvalho, com sua língua afiada, provavelmente diria que a traição virou apenas mais uma prova da degradação cultural moderna, onde a moral é substituída por slogans publicitários e desejos instantâneos.


E Cristo? Cristo foi traído. Não por uma mulher com ciúmes, mas por um discípulo que comia à sua mesa. E, ainda assim, não revidou com fúria, mas com entrega. Judas o vendeu por trinta moedas, e o mundo nunca se recuperou daquela ferida.


O que vejo, então, é que a traição, em si, não justifica a barbárie. Pelo contrário: expõe o vazio que temos dentro de nós. Um vazio que busca preencher-se na vingança, no grito, no gesto desesperado. Mas quem se vinga se torna cúmplice do mesmo pecado.


Talvez a tragédia maior não seja a traição em si mas o fato de termos perdido o centro, o eixo que poderia nos salvar. Sem Deus, sem virtude, sem disciplina, a mínima suspeita é suficiente para transformar um lar em inferno.


E no fim, só resta uma pergunta que ecoa:

O que é mais mortal — a traição ou a incapacidade de perdoar?


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