O Medo na Fila do Ônibus e o Teatro da Mídia

 

Era uma tarde como qualquer outra no Rio de Janeiro. No terminal de ônibus, uma fila sem fim, rostos cansados, olhares desconfiados. Entre eles, uma mulher, segurando firme sua bolsa, com os olhos arregalados, vigiava um jovem de boné e fones de ouvido. A cada movimento dele, um sobressalto. O garoto, alheio à tragédia imaginária que se desenrolava em sua cabeça, apenas balançava a cabeça no ritmo de um hip hop qualquer.  

E foi aí que me veio a reflexão: quando foi que chegamos nesse ponto? Quando foi que nos ensinaram a temer por padrão, a ver ameaça onde só há um jovem ouvindo música? A resposta não é difícil de encontrar. A mídia – esse grande teatro do terror – alimenta nosso medo como se fosse ração diária. O medo vende. A tragédia fideliza.  

O medo como produto midiático

O ciclo é sempre o mesmo. O noticiário abre com um assalto brutal, um arrastão filmado por câmeras tremidas de celulares. Gritos, correria, desespero. O telespectador médio ajusta o cadeado da porta e checa as câmeras de segurança. No bloco seguinte, um jovem é morto em confronto com a polícia. As primeiras manchetes o retratam como um “estudante, um trabalhador”, mas minutos depois surge nas redes a foto dele segurando um fuzil, cercado por comparsas armados. Então, a narrativa muda: “era um menino perdido”, dizem. “A sociedade falhou com ele.”  

Assim se cria o paradoxo do medo seletivo: somos incentivados a ter medo da violência, mas proibidos de questionar suas causas reais. Quem levanta a voz contra essa incoerência logo recebe um rótulo – fascista, reacionário, insensível.  

Quando tudo começou a desandar?

A sociedade brasileira sempre flertou com a inversão de valores. Machado de Assis nos diria que o Brasil vive uma comédia de costumes onde os espertos se fazem de vítimas e os ingênuos pagam a conta. Nelson Rodrigues, com seu pessimismo genial, nos lembraria que somos uma pátria de débeis mentais, fascinados pelo fracasso. Os engenheiros sociais que, há décadas, remodelam nossa percepção da realidade para que aceitemos a decadência como progresso.  

Mas vamos aos números. O medo não nasce do nada. Segundo dados do Instituto de Segurança Pública do RJ, em 2023, foram registrados mais de 40 mil roubos de rua no estado. Ao mesmo tempo, o Atlas da Violência revela que 77% das vítimas de homicídio no Brasil são negras e mais de 60% dos jovens assassinados estavam envolvidos com o crime. Mas não se pode falar disso sem ser acusado de “criminalizar a pobreza”. O que nos leva à grande questão: por que o brasileiro médio finge que não sabe o que está acontecendo?

Como resolver esse teatro do medo? 

O problema é mais profundo do que estatísticas e manchetes. Estamos diante de uma sociedade que perdeu o senso de realidade. Temos medo dos inocentes e compaixão pelos culpados. Ficamos paranoicos na fila do ônibus, mas mudamos de canal quando a verdade nos incomoda. E, no fim, o que sobra? O caos. A desordem. A repetição infinita da tragédia cotidiana.  

A solução não é fácil, mas passa pelo resgate de valores básicos: discernimento, justiça e coragem para encarar a verdade sem filtros ideológicos. O Brasil precisa reaprender a distinguir o criminoso do trabalhador, a vítima do oportunista, a notícia real da manipulação midiática. Só assim poderemos sair dessa fila do medo e embarcar, enfim, em um futuro mais digno.  

Ou, pelo menos, chegar vivos em casa.

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