Crítica de "Um Estranho no Ninho" : A tirania da normalidade

 


Em "Um Estranho no Ninho", Milos Forman nos apresenta uma alegoria cruel e trágica sobre a perda da individualidade. O filme, uma adaptação do romance de Ken Kesey, é mais que uma obra cinematográfica: é um retrato ácido da sociedade moderna, que sufoca a singularidade em nome de uma suposta "normalidade". O personagem principal, Randle P. McMurphy, não é um herói no sentido clássico, mas um mártir da autenticidade em um mundo onde ser diferente é um crime capital.  

McMurphy, interpretado magistralmente por Jack Nicholson, é um delinquente charmoso, um vagabundo com um sorriso indecente e uma vocação visceral pela liberdade. Ele é o grito de um louco contra o silêncio organizado dos normais. Colocado em um manicômio mais por conveniência do sistema do que por necessidade, McMurphy não é louco — mas tampouco é "adequado". E é exatamente isso que o torna perigoso: ele recusa o conformismo passivo.  

O verdadeiro vilão da história não é a temida Enfermeira Ratched, com seu sorriso plástico e sua autoridade sufocante, mas sim o que ela representa: a burocratização da alma. A enfermeira não quer curar ninguém; ela quer domar. E como é típico dos tiranos modernos, ela faz isso com uma máscara de benevolência, proclamando que tudo é "pelo bem dos pacientes". Ratched não amarra McMurphy com correntes, mas com palavras doces e sorrisos que são tão cortantes quanto lâminas.  

O que faz de McMurphy um personagem fascinante não é sua rebeldia, mas sua humanidade. Ele não é perfeito; é um jogador, um trapaceiro e, talvez, um oportunista. Mas é exatamente isso que o torna real. Ele entende que viver é um ato de rebeldia. No entanto, essa chama queima em um lugar onde até o riso é considerado um ato subversivo.  

A ironia — e aqui, eu diria, a tragédia rodrigueana — está no desfecho. McMurphy, que passa o filme lutando contra a opressão, acaba destruído por ela. Ele é reduzido a uma casca de si mesmo, uma vítima literal da "normalização". Mas, paradoxalmente, sua derrota é sua vitória: seu sacrifício desperta o gigantesco Chief Bromden, que simboliza a força latente que todos temos, mas tememos usar.  

Um Estranho no Ninho é, em última análise, um grito contra a ditadura da mediocridade. É um lembrete de que, neste hospício chamado sociedade, a loucura muitas vezes é o último refúgio da sanidade. McMurphy pode ter perdido, mas ao menos, ele foi fiel a si mesmo até o fim — algo que poucos de nós podemos dizer.  

há algo mais louco do que uma sociedade que extermina os McMurphys para preservar os Ratcheds? Eu duvido.

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