O Império Caído: Crônica de um Rio que Sangra

Ontem, o Rio de Janeiro parou.

Não foi feriado, não foi carnaval, nem promessa de eleição. Foi o caos.

Uma operação do BOPE transformou o Complexo da Maré num campo de guerra.

Os bandidos do Comando Vermelho mandaram fechar a Avenida Brasil, a Linha Vermelha e até o que restava da paciência do povo.

Foi uma terça-feira de pólvora e desespero, em que o relógio perdeu a noção do tempo e o asfalto virou trincheira.

No rádio, o locutor falava em “intervenção”, mas o que se ouvia, de fato, era o som seco dos tiros  a trilha sonora do fracasso nacional.

As pessoas saíram mais cedo para o trabalho, como quem foge de uma maldição, e acabaram presas no engarrafamento da própria rotina.

Um trânsito sem princípio, meio ou fim  o engarrafamento metafísico da alma carioca.

Um povo discutia nos pontos de ônibus, nas esquinas, nos aplicativos:

— “A culpa é do governo!”

— “Não, é da polícia!”

— “É dos bandidos!”

Mas ninguém dizia a verdade mais simples e terrível: a culpa é de todos nós.

O Rio de Janeiro, outrora “Cidade Maravilhosa”, é hoje um império caído, governado por traficantes, milicianos e políticos que trocaram a honra por gabinete.

É Roma em ruínas, com vista para o mar.

O Cristo Redentor, lá do alto, deve olhar para baixo e se perguntar se ainda vale a pena abrir os braços.

A morte do traficante mais procurado do estado foi manchete.

Mas a notícia verdadeira  aquela que ninguém quis escrever foi a morte da esperança.

Entre a fumaça dos tiros e o som das sirenes, o que se vê é um povo que se acostumou com o absurdo.

O Brasil já não se indigna: apenas bufa, buzina e segue adiante.

E assim seguimos, como gladiadores cansados, vivendo entre o medo e a indiferença.

O Rio de Janeiro não é mais uma cidade: é uma confissão coletiva.

Cada morro é um altar de sangue.

Cada tiroteio, uma missa negra.

E cada engarrafamento, um rosário de resignação.

No fim do dia, quando o trânsito se dissolveu e o noticiário esfriou, só restou o eco da pergunta que ninguém quer responder:

Como chegamos a isso?

E talvez a resposta esteja no espelho

porque o verdadeiro inimigo do Rio não está no morro nem no palácio,

mas dentro de cada um de nós, que aprendemos a sobreviver quando devíamos aprender a amar.

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