Lendas da Paixão : A Tragédia das Paixões Humanas

 

Se eu, Nelson Rodrigues, tivesse que escrever sobre *Lendas da Paixão*, diria que este filme é mais do que uma história de amor e perda. É um drama sobre os abismos da alma humana. Ali estão três irmãos, três homens, cada um simbolizando uma face do masculino: o honrado, o rebelde e o contido. E todos, sem exceção, tragados pela mesma mulher. É um destino shakespeariano, com tintas de pecado e redenção.

O primeiro irmão, Alfred, é o homem que vive pela razão. Ele quer o que é certo, o que é aprovado, o que se encaixa nos moldes. Alfred é o típico sujeito que pensa que a vida se resolve com bons costumes e escolhas seguras. Mas a tragédia de Alfred é justamente esta: ele tenta organizar a paixão, controlar o incontrolável. E, no final, o que sobra para ele é a sombra do que nunca foi vivido plenamente.  

Tristan, o segundo, é um personagem rodriguiano em sua essência. Ele é puro instinto, carne e desejo. Tristan é o homem que não apenas vive, mas devora a vida. Ele carrega a dor como um medalhão no peito; e suas escolhas são sempre feitas entre o amor e a morte. A intensidade dele é ao mesmo tempo sua força e sua perdição. Não há meio-termo, e é isso que o torna fascinante e trágico. Tristan é o herói de sua própria ruína.  

Já Samuel, o caçula, é o idealista. Ele acredita no amor puro, na justiça divina e na bondade do mundo. Mas a vida, como sabemos, não perdoa inocentes. Samuel é esmagado não apenas pela guerra, mas pela realidade crua que destrói sonhos e esperanças. Ele é a vítima do romantismo em um mundo que não é romântico.  

E no centro de tudo está Susannah. Ah, Susannah! Não é uma mulher; é um arquétipo. Ela é o desejo em forma humana, a musa que destrói, que enfeitiça, que enlouquece. Não por maldade, mas porque é da natureza dela ser assim. Susannah não é uma pessoa; é uma fatalidade. Ela não pertence a nenhum dos irmãos porque, no fundo, não pertence a ninguém.  

Lendas da Paixão é a história de homens que não sabem o que fazer com seus próprios desejos. Cada um tenta, à sua maneira, vencer as paixões: Alfred pela razão, Tristan pela intensidade e Samuel pela pureza. Mas todos falham, porque o amor, como eu sempre digo, é um delírio. Não se explica, não se justifica, apenas se vive – e paga-se o preço.

O filme, com sua fotografia lírica e seus cenários grandiosos, tenta romantizar a tragédia. Mas não se enganem: o que está ali é o teatro da vida humana. É a luta eterna entre o que queremos ser e o que realmente somos. No final, como em todas as minhas crônicas, resta apenas a solidão de cada personagem diante de seus próprios abismos.  

E é por isso que Lendas da Paixão é, no fundo, tão humano. Porque somos todos Tristan, Alfred, Samuel – e até mesmo Susannah. Todos vivendo e sofrendo nossas próprias lendas.

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