Casamento às Cegas: Quando o Amor Fecha os Olhos, mas a Coragem Pisca

 


Eu estou na casa da minha irmã e estava pisando descalço no tapete da sala, olharia para a televisão ligada na Netflix e decretaria, sem piedade ajeitando o chapéu e acendendo um cachimbo imaginário, dizendo: 


“Isto não é um reality show. É um confessionário sem padre.”


“O curioso não é que as pessoas se apaixonem no escuro, mas que continuem cegas quando a luz se acende.”


E eis Casamento às Cegas, esse espetáculo moderno onde homens e mulheres prometem o eterno separados por uma parede como se o amor fosse um telefonema bem-feito e não uma cruz carregada a dois.


A Premissa: o amor sem corpo


O programa parte de uma tese quase teológica: o amor verdadeiro nasce da alma, não dos olhos. Até aqui, belíssimo. Santo Agostinho assinaria embaixo. O problema é o segundo ato, quando o corpo aparece e com ele surgem as dúvidas, os silêncios constrangedores e o velho pavor brasileiro de compromisso.


Ali, o amor espiritual entra em choque com o espelho do banheiro.


Entra em cena


O drama não está nas cabines, mas depois delas. Ele saberia que o brasileiro ama intensamente por três dias, mas teme o quarto, quando o amor pede CPF, rotina e paciência.


“O brasileiro quer o amor eterno,

desde que ele não atrapalhe sua liberdade de ir embora.”


No reality, todos juram profundidade emocional. Mas basta o primeiro desconforto para surgir a frase fatal:

“Não é bem isso que eu imaginava.”


“O amor nunca é o que se imagina.

É sempre pior e por isso mesmo, verdadeiro.”


O Paradoxo do Amor Moderno


O Paradoxo central do programa:

as pessoas querem um amor absoluto, mas oferecem apenas meia entrega.


Querem alguém que as aceite integralmente, mas recusam aceitar o outro com seus defeitos, filhos, traumas, silêncios e passado. Querem o milagre sem o sacrifício.


“O mundo moderno não deixou de acreditar no amor”,

diria Chesterton,

“ele apenas deixou de acreditar na perseverança.”


O verdadeiro experimento


O maior experimento do programa não é saber se o amor é cego.

É descobrir quantos suportam enxergar depois.


Quando a parede cai, cai junto a fantasia. E muitos descobrem que não querem amar pessoas reais querem personagens moldados às suas expectativas.


O resultado é previsível: promessas grandiosas, fugas discretas e despedidas cheias de “você merece alguém melhor”.


Conclusão: um espelho incômodo


Casamento às Cegas funciona menos como entretenimento e mais como um raio-x moral do nosso tempo. Ele revela uma geração que fala muito de sentimentos, mas treme diante da responsabilidade de sustentá-los.


Nelson Rodrigues encerraria com crueldade:


“Nunca foi o amor que falhou.

Foram os amantes.”


E Chesterton, com misericórdia:


“Talvez o amor não seja cego.

Talvez apenas exija olhos mais corajosos.”


No fim, o reality não prova que o amor pode nascer no escuro.

Prova apenas que o maior medo humano não é amar é permanecer.

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