Prudência ou Medo? A Covardia Disfarçada de Virtude
Há uma virtude antiga chamada prudência. Ela nasceu para orientar o homem, não para algemá-lo. Prudência é a bússola; medo é o freio de mão puxado em plena estrada. O problema do nosso tempo é que passamos a chamar medo de virtude e ainda nos orgulhamos disso.
Nunca se falou tanto em razão nos relacionamentos. Tudo é analisado, pesado, comparado, testado. Ama-se como quem avalia um investimento de risco. Pergunta-se sobre o futuro antes mesmo de se viver o presente. Exige-se garantia emocional como quem pede nota fiscal de um sentimento.
O homem moderno, sobretudo, descobriu uma palavra confortável para esconder sua covardia: prudência. Diz que é prudente porque não se entrega. Diz que é racional porque não decide. Diz que está sendo maduro quando, na verdade, está apenas parado.
Confunde razão com paralisia.
A razão verdadeira ilumina o caminho; a falsa razão apenas aponta todos os perigos até que ninguém tenha coragem de dar o primeiro passo. É a razão que não conduz à ação, apenas à desculpa.
Nos relacionamentos de hoje, isso virou regra. As pessoas entram dizendo “vamos com calma”, mas não sabem para onde vão. Pedem tempo, mas não constroem nada nesse tempo. Falam em processos internos enquanto deixam o outro suspenso num limbo afetivo uma sala de espera sem relógio.
Chamam isso de maturidade. Mas maturidade não é ausência de risco. Maturidade é escolher apesar do risco.
Nunca foi tão fácil fugir do amor com aparência de virtude. Basta dizer que está confuso, que está se conhecendo, que precisa se resolver. Enquanto isso, o outro envelhece na esperança, adoece na expectativa, se cansa de esperar uma resposta que nunca vem.
O medo moderno não grita. Ele argumenta.
Ele não diz “não quero amar”. Ele diz “talvez”, “quem sabe”, “vamos ver”. E esse talvez prolongado é mais cruel que qualquer negativa honesta. Porque o não liberta. O talvez aprisiona.
Há também o culto à razão como se o amor fosse um problema matemático. Quer-se amar sem perder o controle, casar sem abrir mão de nada, relacionar-se sem vulnerabilidade. Esquecem que o amor, desde sempre, foi um escândalo: exige entrega, exige risco, exige a coragem de parecer tolo.
A prudência verdadeira sabe disso. Ela não impede o passo; apenas evita o precipício. Já o medo pinta todo o caminho como precipício.
Por isso tantos relacionamentos não avançam. Não porque falte amor, mas porque sobra cálculo. Falta a ousadia mínima de dizer: “eu vou tentar”. Falta a coragem simples de escolher alguém e sustentar essa escolha.
Vivemos a era dos relacionamentos suspensos. Ninguém termina, ninguém começa. Todos analisam. Todos ponderam. Todos se protegem. E no fim, todos se queixam da solidão como se ela tivesse caído do céu e não fosse fruto direto dessa paralisia coletiva.
O amor nunca pediu garantias. Pediu presença.
Nunca pediu certeza absoluta. Pediu fidelidade à decisão.
Talvez o maior drama do nosso tempo não seja a falta de amor, mas o excesso de medo travestido de prudência. Uma geração inteira confundindo cautela com fuga, razão com imobilidade, maturidade com ausência de compromisso.
E enquanto isso, o amor esse velho imprudente continua passando à nossa frente, esperando apenas alguém que tenha coragem de parar de pensar tanto… e começar a viver.

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