O Calor, Castor de Andrade e a Velha Tragédia Brasileira
Segunda-feira, 8 de dezembro. Um calor tão indecente que parecia um castigo bíblico, daqueles que fazem até o demônio pedir sombra. Minha mãe, voltando da casa da minha avó, resumiu o dia com uma sentença digna de Homero suburbano:
“Lá fora está um calor absurdo.”
E estava mesmo. Um calor que humilha, que derrete a alma, que parece lembrar ao brasileiro sua mortalidade.
Meu pai, resistente como um profeta no deserto, estava na varanda assistindo a um vídeo de Castor de Andrade. E não era qualquer vídeo: era Castor correndo atrás de um juiz para bater nele e o juiz, aparecendo na tela, dizia como quem faz poesia:
“Eu estou feliz por estar vivo.”
Rimos. Porque o brasileiro ri até da própria tragédia. Rimos porque Castor, aquele personagem que nem Shakespeare ousaria inventar, ainda consegue ser engraçado na brutalidade.
Meu pai, então, soltou uma história daquelas que só existem no folclore imoral do Rio de Janeiro.
Um jogador, jovem e perdido, “cheirando mais que cartório velho”, segundo meu pai, se recusava a jogar. Castor, furioso, correu atrás dele disposto a matar e o garoto gritava, como um pecador que tenta negociar com Deus na última hora:
“Eu vou mudar! Eu juro que vou mudar!”
E, no fundo, esta é a verdadeira crônica brasileira:
o país onde o juiz corre para salvar a vida,
o jogador foge para salvar a carreira,
e o povo ri para não chorar.
Era assim a sociedade de antigamente: brutal, teatral, trágica, mas sempre sempre! profundamente humana.

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