A Guerra dos Justos e dos Indiferentes

Se hoje, no Brasil, alguém erguer a cabeça e prestar atenção, verá que a luta entre patrões e empregados não é uma batalha entre opostos, mas um campo minado de mal-entendidos, falta de discernimento e, acima de tudo, de ausência de propósito comum. A cada esquina, há um chefe que pensa que mandar é o mesmo que oprimir, e um empregado que acredita que servir é o mesmo que se submeter. Patrões e empregados tornaram-se inimigos declarados – não por suas diferenças, mas pela falta de qualquer desejo em comum que os una. Uma guerra fria, sem propósito, sem glória, onde os únicos perdedores são eles mesmos.

Nesse cenário, a *Doutrina Social da Igreja*, uma voz que ecoa com discernimento e compaixão, nos alerta sobre os perigos dessa luta sem sentido. Na "Quadragesimo Anno", Pio XI afirma: "A economia e as relações de trabalho não podem ser reduzidas a uma mera relação de compra e venda, onde o homem é reduzido a uma mercadoria. Toda relação humana deve ser fundamentada na justiça e na caridade." Porém, hoje, patrões e empregados, esquecendo a humanidade que possuem em comum, transformaram-se em mercadores e mercadorias. E nesse vaivém de interesses, os valores, a justiça e a caridade se tornam palavras vazias, relegadas ao papel de sermões domingueiros.

No Brasil, o patrão sente um prazer mórbido em parecer um "senhor feudal" moderno, enquanto o empregado, no fundo, se vê como um revolucionário injustiçado. As duas partes se julgam como opostos intransponíveis, quando, na verdade, se assemelham em sua incompreensão. Ambos, do alto de suas posições, se enxergam como inimigos em trincheiras. De um lado, o patrão, seguro de sua posição, mas inseguro quanto ao próprio caráter. Do outro, o empregado, farto de promessas vazias, sonhando com uma justiça que ele mesmo parece incapaz de definir. Nessa batalha cotidiana, não há vencidos nem vencedores – apenas desgastados.

A Doutrina Social da Igreja nos exorta à responsabilidade mútua: "O trabalho é um direito e um dever do homem, expressão de sua dignidade e da cooperação com Deus na obra da criação." Mas, para muitos patrões, a dignidade do trabalhador é apenas um item de folha de pagamento; algo que, na primeira dificuldade, torna-se negociável. E, para muitos empregados, o esforço é visto com suspeita, como se o próprio ato de trabalhar fosse uma traição. Essa inversão de valores não cria outra coisa senão uma legião de descontentes, de ambos os lados, exauridos de uma batalha que não beneficia a ninguém.

Vejo, diariamente, empregados esperando de seus patrões uma solução para suas frustrações pessoais e profissionais, como se o chefe fosse, ao mesmo tempo, provedor e psicólogo. O patrão, por sua vez, quer ver no funcionário alguém que compreenda o sacrifício de empreender, sem jamais reconhecer o peso que o trabalho representa para o outro. Esse impasse revela a miséria de uma sociedade onde não se busca um caminho de meio-termo; ao contrário, onde cada lado parece querer mais do outro, como se a generosidade fosse um sinal de fraqueza. Se o patrão concede um benefício, espera em troca submissão cega; se o empregado aceita uma proposta, sente-se em dívida com sua própria dignidade.

E o que dizer do cansaço, desse desgaste que consome os dois lados e torna tudo ainda mais ácido? Em vez de partilhar objetivos, patrões e empregados partilham do mesmo esgotamento. É uma convivência de arrasto, uma tensão permanente que, ao invés de gerar produtividade, gera apenas frustração. A Doutrina Social insiste em que "o desenvolvimento econômico deve servir ao homem e não o contrário". Contudo, no Brasil de hoje, o desenvolvimento serve à ilusão, ao espetáculo, ao lucro pelo lucro – e os homens, antes sujeitos, agora tornaram-se objetos.

O trabalho, que deveria ser uma forma de elevar o espírito, de contribuir para a coletividade, virou uma pena, uma condenação cotidiana que os dois lados tentam driblar de todas as formas. Os patrões esgueiram-se entre brechas legais, como se fossem personagens de um conto sobre ganância; enquanto os empregados buscam atalhos, como se o dever de trabalhar fosse uma humilhação e não um caminho de dignidade. Ambos, contudo, esquecem-se do propósito último: o bem comum, a paz e o desenvolvimento de todos.

Assim, o Brasil de hoje, marcado por essa disputa, não prospera, não cresce e não evolui. O homem, seja ele chefe ou subordinado, está preso em uma guerra que não tem vencedores, uma batalha de egos inflados e almas esvaziadas. Longe de ser uma nação onde o trabalho dignifica, o Brasil parece mais uma sociedade onde o trabalho cansa, desgasta, destrói. Como naqueles romances em que os personagens caminham para o fim inevitável, patrões e empregados seguem, sem perceber, para o mesmo destino.

E nesse cansaço coletivo, ninguém reconhece que a solução está ao alcance das mãos. Se ambos pudessem descer de suas montanhas, compreender a posição do outro e encontrar a dignidade na colaboração, talvez o trabalho, esse ato que deveria ser sagrado, deixasse de ser uma maldição.

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