O Sermão da Meia-Noite: Milagres, Fanatismo e Vampiros na Terra dos Cegos

 


Imagine uma capela perdida em uma ilha, com seus poucos fiéis, mais parecendo um panteão de desesperançados do que uma comunidade de fé. Entra em cena um padre misterioso, que traz consigo não apenas promessas de milagres, mas uma aura sombria, digna de um anticristo travestido de sacerdote. E, como sempre acontece na ficção, a fé miúda e quase morta da comunidade começa a inflamar, como pólvora. Mas cuidado, meus caros! Aqui, o fogo que se acende não é o da fé genuína, mas o das labaredas da cegueira e da perdição.

Missa da Meia-Noite quer, com toda a sua sutileza de paquiderme, criticar o fanatismo religioso. Uma crítica batida, já vista em livros de Stephen King e em tantas outras obras, mas com o toque sobrenatural de Mike Flanagan. A série nos empurra, desde o início, para a dicotomia entre fé e racionalidade, como se estivéssemos diante de uma novela maniqueísta. De um lado, o novo padre, Paul, com seu carisma enigmático e milagroso, que em poucos capítulos transforma a capelinha decadente em um templo fervilhante de fanáticos. Do outro, Riley Flynn, o filho pródigo que volta para casa carregando um passado sombrio, uma fé destruída por um acidente e anos de prisão. A metáfora é clara: a série grita que, na ausência de Deus, surgem os demônios. Mas, ironicamente, quando Deus supostamente volta, quem vem junto são vampiros. É ou não é um folhetim perverso?

A personagem de Bev Keane é outro arquétipo familiar. A tia da igreja, a guardiã dos costumes, sempre pronta a apontar o dedo e condenar os pecados alheios. Uma hipócrita com gosto pelo poder, que se oculta sob o véu da fé, mas cujo prazer é julgar e oprimir. Uma caricatura fácil, sem dúvida, mas eficaz na sua função de antagonista moral. Ela é a representação daquelas pessoas que confundem religiosidade com controle social, uma sátira tão cruel quanto previsível. Nelson Rodrigues provavelmente a compararia a tantas velhas beatas do subúrbio, que entre uma novena e outra destroem vidas com suas línguas afiadas e suas insinuações veladas.

Agora, sobre a narrativa de Missa da Meia-Noite: vultos, gatos mortos, e milagres que começam a pipocar na pequena ilha são o pano de fundo para um discurso sobre a falência da fé moderna. O padre, que mais parece um profeta maldito, faz milagres enquanto, ao mesmo tempo, condena os que os seguem a um destino sombrio. Mas o que a série realmente quer nos dizer? Que a fé cega, quando não questionada, leva à destruição? Ou será que, em tempos de desesperança, o terror religioso é a única forma de manter a comunidade coesa?

Flanagan, como um bom filho do século XXI, parece ver a religião como uma fonte inesgotável de horror. E isso ele deixa claro em entrevistas, onde afirma que o cristianismo, com sua promessa de vida eterna e seu medo do inferno, é por si só uma narrativa aterrorizante. Mas será? Ou será que o verdadeiro terror está na falta de compreensão do que é a fé, no medo de acreditar em algo que transcende o humano?

Ao final, Missa da Meia-Noite nos entrega um destino trágico e previsível. A comunidade, que se agarrava a qualquer sinal de milagre, termina consumida por sua própria cegueira. O padre, que prometia salvação, revela-se apenas mais uma peça no jogo macabro da perdição. Os milagres, ao contrário do que se esperava, eram o prenúncio do fim. É claro, aqui, que a crítica de Flanagan não é apenas ao fanatismo religioso, mas à própria necessidade de acreditar. No entanto, a série peca por ser óbvia, como se subestimasse o espectador.

Missa da Meia-Noite. é, no fundo, uma tragédia sobre a ilusão do milagre. Uma peça onde todos, sem exceção, estão condenados a cair, não por excesso de fé, mas por falta de discernimento. O verdadeiro vilão, em última análise, não é o fanatismo ou o sobrenatural, mas a incapacidade de questionar, de se abrir ao mistério sem se render à superstição. E, assim, como tantas novelas rodadas nos becos sujos do subúrbio, a trama termina com o gosto amargo da desilusão.

 

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