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Beata Nhá Chica e a Providência Divina: Entre a Fé e a Espera

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  Há na história de Nhá Chica uma verdade que atravessa os séculos: a fé não é para os fracos. Se o brasileiro médio conhecesse de fato o que é confiar na Providência Divina, como fez essa mulher analfabeta e de alma maior que seu tempo, talvez vivesse menos ansioso e mais resignado à vontade de Deus. Mas não: prefere entregar-se ao desespero, ao desassossego, ao culto da urgência.   Nhá Chica não teve posses, não teve marido, não teve filhos. Poderia ter tido tudo isso, mas fez a escolha que poucos têm coragem de fazer: pôs sua vida inteira nas mãos de Deus. que essa entrega absoluta é a grande ironia do espírito: os homens lutam, correm, batalham por um controle que nunca tiveram. E quando encontram um exemplo de serenidade como o de Nhá Chica, chamam-no de ingênuo, quando na verdade ali reside a mais pura sabedoria.  A fé da Beata é uma dessas “coisas que só acontecem no Brasil”. No entanto, se analisarmos estatísticas de devoção popular, veremos que a confiança na Pro...

A Garota da Agulha – Entre Doces e Sombras

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O século XX pariu suas próprias tragédias, e A Garota da Agulha parece ser a bastardinha de uma delas. Em uma Copenhague desolada pelo pós-guerra, onde os homens desapareceram nos campos de batalha e as mulheres ficaram à mercê de um destino cínico e indiferente, Karoline, a nossa protagonista, descobre da pior maneira possível que o ventre feminino é mais maldito do que bendito.   Grávida e descartada como um cigarro apagado pelo amante patrão – e sem marido para ser viúva – Karoline faz o que tantas mulheres fizeram ao longo dos séculos: procura refúgio em mãos que parecem bondosas, mas escondem um segredo sujo. E aqui entra Dagmar, uma matrona de sorriso açucarado, dona de uma loja de doces que também distribui crianças como se fossem bombons. Uma santa de fachada, uma cafetina de bebês, uma providência perversa.   O filme é uma tragédia anunciada, mas sua beleza está no modo como transforma o desespero em poesia. Vic Carmen Sonne entrega uma Karoline que não chora pelo que...

A Garota da Agulha – O Horror Não Está Onde Se Espera

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Copenhague, pós-Primeira Guerra Mundial. Um mundo sem homens e sem esperança. Mulheres largadas à própria sorte, vendendo o que têm – e, quando nada mais lhes resta, vendendo os filhos. Este é o cenário de A Garota da Agulha, um filme que parece ter sido escavado do próprio cinema expressionista alemão, com sua fotografia esfumaçada, sombras duras e uma Europa devastada que fede a miséria e a desamparo.   Karoline (Vic Carmen Sonne) é uma mulher como tantas outras: operária, grávida de um patrão canalha que a descarta como um cigarro fumado pela metade. O marido? Desaparecido em combate. A sobrevivência? Um pesadelo diário. Então surge Dagmar (Trine Dyrholm), uma mulher madura, dona de uma loja de doces – e de uma agência de adoção clandestina. Uma mulher que representa um alívio, um consolo... até que Karoline percebe o preço desse conforto.   O diretor Magnus von Horn não nos dá respiros. A câmera busca o rosto de Karoline nas multidões, entre sombras e cinzas, como se pergu...

O Rei do Gado – O Último Suspiro do Romance Brasileiro

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  Se há algo que o Brasil esqueceu nos últimos tempos, é a arte de amar com grandeza. Antigamente, os romances tinham traições épicas, paixões avassaladoras, brigas por terras e fortunas. Hoje, a tragédia amorosa do brasileiro médio se resume a uma conversa ignorada no WhatsApp. E é por isso que O Rei do Gado, novela exibida pela primeira vez em 1996, segue sendo um fenômeno. Foi reprisada em 2022 e bateu recordes de audiência, superando muitas produções modernas. E por quê? Simples: porque é um retrato de um Brasil que já não existe.   O público assiste a O Rei do Gado como quem vê um museu de sentimentos extintos. Lá estão os homens viris, que falam pouco e fazem muito. Bruno Mezenga (Antonio Fagundes) não manda emoji nem faz textão; ele simplesmente ama Luana (Patrícia Pillar) com a força bruta de um fazendeiro que não sabe o que é um aplicativo de namoro. Aliás, ele não precisa de tutorial para ser homem. Hoje, um sujeito qualquer digita no Google: "como conquistar uma mul...

“Que Horas Ela Volta?" – O Brasil da empregada que virou gente

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Se o Brasil fosse um romance, ele não seria de Machado, nem de Graciliano. Seria um folhetim barato, desses que se vendem na rodoviária. Em Que Horas Ela Volta? (2015), de Anna Muylaert, temos a história de Val (Regina Casé), uma empregada doméstica que, depois de anos servindo uma família de classe média alta, reencontra a filha, Jéssica (Camila Márdila), e vê seu mundo desmoronar. O filme não é só uma crítica social – é um raio-X da hipocrisia brasileira, onde a casa-grande nunca deixou de olhar a senzala com desconfiança.   Val é o retrato da velha servidão disfarçada de lealdade. Dorme no quartinho dos fundos, toma café na cozinha, chama os patrões de "seu" e "dona". Mas não reclama. Pelo contrário, tem gratidão. Porque no Brasil, se há uma virtude mais valorizada do que a competência, é a submissão. A patroa, interpretada com frieza cirúrgica por Karine Teles, adora Val. Desde que Val saiba o seu lugar.   Mas eis que surge Jéssica, a filha rebelde que não aceit...

A Indiferença Digital: A Solidão Como Serviço

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   Nunca fomos tão conectados e, ao mesmo tempo, nunca estivemos tão sozinhos. O sujeito acorda, boceja, coça o umbigo e, antes de dizer “bom dia” à esposa – se ainda houver uma –, já está abrindo o WhatsApp. Mas, atenção: ele não quer conversar. Ele quer ver sem ser visto. A tecnologia, que um dia prometeria nos unir, hoje nos oferece um verdadeiro arsenal para fugirmos uns dos outros.    A cada atualização, as redes sociais nos dão novos meios para desaparecer. No WhatsApp, você pode tirar o “visto por último”, pode sumir com os checks azuis, pode esconder sua foto, pode silenciar alguém para sempre. No Instagram, pode arquivar, restringir, bloquear sem que o outro saiba. E assim seguimos, colecionando contatos sem jamais precisar olhá-los nos olhos.   Os números da indiferença O que vemos é uma geração que se esconde. Segundo um estudo da We Are Social (2024), 63% das pessoas já ignoraram mensagens intencionalmente sem sequer abrir. Mas, ao mesmo tempo, 78% a...

Nova Era dos Namoros: O Amor em Tempos de Tinder

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  Se os casamentos estão falindo, os namoros já nasceram mortos. Vivemos uma época em que ninguém mais sabe o que é amar, mas todo mundo sabe o que é “ficar”. O namoro, que um dia foi a construção de um compromisso, virou uma prévia descartável. O amor, que deveria amadurecer com o tempo, virou uma eterna experimentação de aplicativos.   Quer namorar? Basta deslizar para a direita. Quer terminar? Basta deixar no vácuo. 1. A Ditadura da Superficialidade O namoro, outrora um processo de conhecimento mútuo, virou um jogo de aparências. Hoje, o amor não nasce do convívio, mas do algoritmoú. O que importa não é a personalidade, mas a foto de perfil. A conquista foi reduzida a um "oi, sumida".  L Antigamente, as pessoas namoravam para conhecer alguém de verdade. Hoje, elas namoram para exibir status no Instagram. O relacionamento não precisa ser sólido, basta parecer perfeito nos Stories.   Estatísticas Assustadoras: Um estudo da Universidade de Stanford revelou que 40% do...