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Mostrando postagens de 2024

Lendas da Paixão : A Tragédia das Paixões Humanas

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  Se eu, Nelson Rodrigues, tivesse que escrever sobre *Lendas da Paixão*, diria que este filme é mais do que uma história de amor e perda. É um drama sobre os abismos da alma humana. Ali estão três irmãos, três homens, cada um simbolizando uma face do masculino: o honrado, o rebelde e o contido. E todos, sem exceção, tragados pela mesma mulher. É um destino shakespeariano, com tintas de pecado e redenção. O primeiro irmão, Alfred, é o homem que vive pela razão. Ele quer o que é certo, o que é aprovado, o que se encaixa nos moldes. Alfred é o típico sujeito que pensa que a vida se resolve com bons costumes e escolhas seguras. Mas a tragédia de Alfred é justamente esta: ele tenta organizar a paixão, controlar o incontrolável. E, no final, o que sobra para ele é a sombra do que nunca foi vivido plenamente.   Tristan, o segundo, é um personagem rodriguiano em sua essência. Ele é puro instinto, carne e desejo. Tristan é o homem que não apenas vive, mas devora a vida. Ele carrega a ...

O Fracasso de Não Tentar: A Tragédia Silenciosa

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Na encruzilhada de tantos dramas, onde a vida se desenrola num palco abarrotado de covardias, vejo o homem moderno. Esse indivíduo, que chamarei de “covarde metafísico”, não é um mero hesitante ou tímido, mas alguém que escolheu a rendição como religião. Ele rasteja diante do vestibular, recua diante da garota que sorri no corredor da faculdade, e desiste antes mesmo de começar.   Esse homem é o produto de sua própria deserção. Quando jovem, sonhava alto, mas trocou seus castelos por barracos emocionais. Dizia: "Tentarei!" Mas, ao primeiro vento contrário, decidiu que não era mais ele quem iria ao fogo. Essa desistência tem um rosto: o do sujeito que, de tanto evitar os riscos, tornou-se um arquiteto do nada.   Imaginem um eito, um templo humano, onde cada pedra viva somos nós, pessoas habitadas por Deus. Esse templo deveria ser inabalável, mas cada tijolo, ao invés de suportar o peso da vida, treme ao menor sinal de desafio. O homem moderno, que poderia ser casa de Deus, pre...

O Balde de Caranguejos e a Tragédia da Sabotagem Carioca

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  No Rio de Janeiro, a sabotagem é uma arte tão refinada quanto o samba. Entre a morna luz do sol e o cheiro do asfalto, os cariocas se envolvem numa dança cruel de puxões e tropeços, como caranguejos num balde, cada um garantindo que ninguém escale até a borda. Eis aqui a grande metáfora da cidade que não dorme, mas cochila em seus próprios erros.   O balde de caranguejos é uma imagem tão carioca quanto a Lapa ou o Cristo Redentor. Cada caranguejo que tenta se erguer é imediatamente puxado pelos colegas, não por maldade, mas por instinto. E assim, todos permanecem presos, condenados à mediocridade do fundo do balde. No Rio, esse balde é a alma coletiva. Aquele que ousa sonhar — que quer um emprego melhor, uma educação decente, ou até mesmo criar uma startup num morro da Zona Norte — é visto com olhos de suspeita. Não é raro ouvir o clássico: “Quem ele pensa que é?”.   No carnaval da sabotagem, há ritmistas de todos os tipos. O vizinho que denuncia a obra porque você cons...

Band of Brothers: Amizade à Prova de Fogo

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Sinopse de Irmãos de Guerra   A minissérie Irmãos de Guerra (Band of Brothers), baseada no livro de Stephen E. Ambrose, segue a jornada da Companhia Easy, um grupo de soldados norte-americanos da 101ª Divisão Aerotransportada, desde seu treinamento árduo na Segunda Guerra Mundial até os campos de batalha na Europa. Da invasão da Normandia ao cerco de Bastogne, os soldados enfrentam não apenas os horrores da guerra, mas também os desafios das relações humanas. Entre bombas, tiros e perdas, nasce um vínculo inquebrável de camaradagem, marcado por lealdade, sacrifício e, acima de tudo, amizade verdadeira. Irmãos de Guerra não é apenas uma minissérie; é um manifesto cruel e necessário sobre a amizade, ou o que resta dela nos tempos de hoje. Enquanto vivemos na era dos "amigos virtuais", onde uma curtida vale mais que um abraço, esta obra nos joga de volta ao chão — um chão lamacento, coberto de sangue e pólvora, onde a amizade não é um capricho, mas uma questão de vida ou morte. ...

O Diabo é Advogado ou Advogado é o Diabo?

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Sinopse: Kevin Lomax (Keanu Reeves) é um jovem e ambicioso advogado com um histórico impecável de vitórias no tribunal. Após defender um caso moralmente duvidoso, ele é recrutado pela poderosa firma de advocacia liderada por John Milton (Al Pacino), em Nova York. À medida que Lomax mergulha no glamour e no poder que o novo emprego oferece, sua vida pessoal começa a desmoronar, e ele descobre que seu chefe é mais do que aparenta – Milton é, literalmente, o próprio Diabo. O filme explora as escolhas entre moralidade e ambição, revelando o preço da corrupção da alma. Crítica: Se há uma metáfora mais óbvia do que o Diabo como chefe de uma firma de advocacia, eu desconheço. *O Advogado do Diabo* é um filme que transpira sensualidade e pecado com a mesma naturalidade com que um político distribui promessas em época de eleição. Mas, apesar do tom carregado e da performance magnética de Al Pacino, que faz do Diabo não apenas um charmoso cafajeste, mas um filósofo da devassidão, o filme peca pe...

A Angústia do Amanhã: Reflexões Sobre a Ansiedade Nacional

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No Brasil, a ansiedade não é apenas um mal psíquico; é uma instituição. O brasileiro, esse eterno herói de tragédias cotidianas, vive como se carregasse nos ombros não apenas o peso de sua própria existência, mas também o de todos os problemas do mundo. Não se contenta em sofrer hoje; sofre pelo que pode acontecer amanhã.   Pelas ruas, há algo de teatral em cada rosto aflito. É como se cada indivíduo carregasse o ensaio de uma peça tragicômica: o desemprego, o trânsito, a inflação — tudo contribui para a narrativa de uma vida que nunca parece alcançar o clímax feliz. O brasileiro, paradoxalmente, é um otimista desesperado. Acredita no "vai dar certo", mas não dorme esperando pelo "e se não der?".   O brasileiro tem uma ansiedade pornográfica. Ele se despe de sua tranquilidade sem pudor algum. Liga a televisão para assistir a catástrofes e desastres como quem assiste a um espetáculo. É como se o caos fosse seu pão diário. A ansiedade aqui não é sintoma; é identidade....

O Brasileiro e Sua Literatura de Papelão

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  O brasileiro não é avesso à leitura, como gostam de dizer os doutores das estatísticas. Ao contrário, lê-se muito neste país. O problema não é a quantidade, mas a qualidade. O brasileiro lê, sim, mas o que lê é uma torrente de inutilidades, uma literatura de papelão, que desmancha ao menor contato com a chuva das ideias.   Nas praças, nos ônibus, até nas filas intermináveis, lá está o cidadão de olhos grudados no celular, lendo manchetes sensacionalistas, fofocas de celebridades e as últimas teorias conspiratórias. O brasileiro lê mensagens de WhatsApp com a mesma devoção com que nossos antepassados liam os evangelhos. Ele consome frases feitas, memes com erros de português e crônicas do acaso, escritas por influenciadores cujo único talento é o de parecer sábio aos incautos.   É preciso dizer: o brasileiro ama a leitura que o emburrece. Porque o texto verdadeiro, aquele que faz pensar, exige esforço — e pensar, no Brasil, é um luxo tão raro quanto uma nota de cinquenta...

A Virgem Maria na Netflix: Entre o Céu e o Algoritmo

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Sinopse:  No controverso filme Virgem Maria (2024), a Netflix traz uma releitura moderna da vida de Maria, mãe de Jesus. Ambientado em uma grande metrópole contemporânea, Maria é retratada como uma jovem imigrante em busca de propósito, enfrentando injustiças sociais e dilemas pessoais. O filme oscila entre o sacro e o profano, questionando a espiritualidade no mundo moderno enquanto Maria, grávida de forma inexplicável, é confrontada por autoridades, ativistas e líderes religiosos. A obra promete um retrato humanizado, mas polarizou a audiência com sua abordagem ousada. Crítica: Assistir a Virgem Maria é como testemunhar um desfile de paradoxos: ao mesmo tempo em que tenta humanizar uma das figuras mais sagradas da história, o filme flerta com a banalidade do nosso tempo. A Maria da Netflix não é apenas a mãe de Jesus; ela é a mãe da dúvida, da angústia e da ironia moderna. A pergunta que o filme insinua — e se Maria vivesse hoje?— é respondida com uma visão ao mesmo tempo provoca...

Forrest Gump: O Contador de Histórias ou o Grande Palhaço da Vida?

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  Era uma vez um homem simples, com um cérebro de passarinho e uma sorte que poderia ser considerada, no mínimo, uma piada de mau gosto. Forrest Gump, esse herói inusitado, cruzou décadas de história americana como se fosse um espectador passivo, assistindo a grandes eventos acontecerem e, ao mesmo tempo, influenciando-os de maneira quase sobrenatural, mas sem nunca entender direito o que estava fazendo.  E não se enganem, caros leitores, o filme Forrest Gump não é a comédia inofensiva que muitos imaginam. Não, não. Aliás, a ironia está no fato de que Forrest Gump é o maior conto de desilusão do cinema. Em um mundo onde as narrativas são controladas, onde o palco da vida é dominado por grandes pensadores e heróis convencionais, um simples homem com um par de tênis brancos e uma inteligência limitada toma as rédeas da história. Como? Por pura sorte. E, se formos dar um passo atrás e analisar, o que é sorte, afinal? Um jogo de futebol jogado por um desavisado, uma corrida inespe...

Amor Líquido: A Crônica da Solidão Envernizada

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  Quem diria que, em pleno século XXI, o ser humano, esse ser supostamente racional, intelectualizado e munido de toda tecnologia, estivesse tão perdido em seus relacionamentos quanto um náufrago sem boia. O livro "Amor Líquido", de Zygmunt Bauman, desfia com crueza e precisão cirúrgica as entranhas dos relacionamentos modernos, expondo suas misérias com um requinte que faria Lima Barreto se remoer em seu túmulo e Nelson Rodrigues sorrir de prazer amargo. Bauman descreve o amor contemporâneo como um líquido. Não é sólido, não é duradouro — ele escorre pelas mãos, dissolve-se no tempo, evapora ao primeiro sinal de dificuldade. No fundo, o autor nos apresenta um espetáculo tragicômico onde os homens e as mulheres, cheios de apps e perfis, encenam diariamente a mais patética e ridícula das farsas: o desejo de amar sem compromisso. Ah, a liberdade de não se prender a ninguém! Que bela ilusão, uma farsa tão desavergonhada quanto as peças teatrais mais indecentes que já cruzaram os...

O Amor à Moda 'Senhor Lagosta' - Quando o Tinder Troca o Drama pela Tragédia Cômica

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  Ontem fui assistir O Lagosta , certamente deixariam o cinema rindo e fumando um cigarro amargo, talvez murmurando entre si: "Afinal, o amor virou mesmo isso?" Porque o filme de Yorgos Lanthimos é uma crítica amarga ao que os relacionamentos se tornaram na era do Tinder — a liquidez de Bauman misturada com a morbidez de um romance kafkiano. Neste mundo distópico, onde você precisa encontrar sua alma gêmea em 45 dias ou acaba transformado em um animal (sim, um animal!), o filme não se distancia tanto da lógica dos "matches" e "desmatches" do Tinder . Afinal, no Tinder também não temos um relógio invisível que conta o tempo até a próxima desilusão, até o próximo "ficante" que desaparece com a mesma facilidade com que surgiu? A diferença é que, no mundo de Lanthimos, a consequência é se tornar um bicho; no nosso, é virar um colecionador de histórias tristes e decepções virtuais. Em O Lagosta , os solteiros são jogados em um hotel opressivo, forçad...

A Inveja Cega do Brasileiro: Um Amor Obsessivo pelo Vizinho

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  No Brasil, a inveja é a chaga que devora as relações humanas. É uma praga silenciosa, rasteira, que se disfarça de comentário inocente, de sorriso enviesado e de um elogio maldito. O brasileiro médio, esse ser humano cordial, de coração mole e sorriso fácil, tem na inveja seu amor mais secreto. E o pior de tudo: ele nem percebe. Há quem diga que a inveja é um pecado menor, coisa de alma pequena, mas eu, Nelson Rodrigues, lhes asseguro que ela é um dos maiores cânceres morais do nosso tempo. A inveja do brasileiro não é apenas pelo que o outro tem; é pelo que ele é, pelo que representa, pelo brilho que ele carrega mesmo sem querer. Se o vizinho comprou um carro novo, não é o carro em si que desperta o olhar torcido, mas o fato de que aquele carro parece anunciar que o vizinho, de algum jeito, venceu. E isso dói. A inveja no Brasil não está mais restrita às fofocas da vizinhança ou aos comentários da tia do zap. Ela se infiltrou nas amizades, nas famílias, nos ambientes de trabalho...

Crítica : A História de um Divórcio - Até que o Ego Nos Separe

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Nada poderia ser mais moderno e mais trágico do que o filme A História de um Divórcio. Ali está a essência de um casamento que foi, desde o início, condenado a ser uma tragédia burguesa. O espectador, iludido pelo charme dos personagens e pela fotografia impecável, assiste a uma autópsia sentimental que escancara os vícios do casamento contemporâneo — uma instituição que, hoje, é levada ao altar como quem vai ao sacrifício, mas que logo se entrega ao altar do divórcio com a mesma facilidade de quem troca de roupa. De certo, A História de um Divórcio não é apenas sobre um casal que se separa. É sobre uma sociedade que perdeu a noção do que é sacrifício, do que é compromisso, e que escolheu o individualismo como lema para a vida. Charlie e Nicole são vítimas e algozes, são a personificação de um casal que, ao tentar se salvar da monotonia, se afunda cada vez mais no egoísmo. Eles se amaram, sim, mas o amor deles sempre teve prazo de validade — o prazo da primeira crise, da primeira dific...

O Exorcista do Papa: Um Espetáculo de Horror Diluído

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  “O Exorcista do Papa”, eu sai do cinema com um meio sorriso cínico e uma sobrancelha arqueada, como quem olha para um cadáver mal maquiado. O filme tenta se vestir com a gravidade do horror e com o peso da fé, mas tropeça nos próprios pés ao cair no espetáculo fácil, na caricatura previsível de um tema que, para Nelson, exigiria sutileza e sangue na veia, não só no cenário.  O que temos em “O Exorcista do Papa” é uma mistura de clichês hollywoodianos com uma pitada de exotismo religioso que só consegue ser interessante para quem nunca sujou os sapatos com a poeira das igrejas e as sombras dos confessionários. A possessão demoníaca, que deveria ser o epicentro do terror, aqui parece mais uma dança coreografada, com efeitos especiais brilhantes e previsíveis, mas sem o peso sujo, o odor da decadência humana que Nelson tanto amava explorar. A fé católica, em suas contradições e absurdos, torna-se um elemento de cenário, uma peça de museu usada apenas para criar o ambiente gótic...

Crônica: Pedro, o Sanguíneo: Santo por um Triz

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Ah, Pedro! Se tivesse que contar a sua história, seria a história de um santo por acaso, um santo que nasceu da carne e do sangue, da traição e da redenção, do medo e da coragem. Pedro, o Sanguíneo, é um homem com uma alma dividida — uma metade nos céus, e a outra arrastada na lama da humanidade. Pedro é aquele que, ao mesmo tempo, compreende o absurdo da fé e a necessidade desesperada de acreditar nela. Ele é o homem que, por um instante, teve a coragem de ser fraco — e foi exatamente aí que se tornou grande. Imaginem-no no pátio, o fogo da fogueira refletindo em seu rosto suado, e aquelas palavras fatais escapando de sua boca: "Não o conheço!". Cristo, preso, flagelado, sozinho. E Pedro, o primeiro dos apóstolos, a rocha, tremia como um cão acuado. Ah, Pedro não era um herói. Era um covarde, um medroso, um homem como qualquer outro, que olha o perigo nos olhos e, ao invés de enfrentá-lo, desvia o olhar. E é exatamente por isso que Cristo o escolheu. Pedro era a essência da ...

Crônica: André, o Apóstolo da Simplicidade

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Ah, o apóstolo André! Um nome que muitos pronunciam sem pensar, como se fosse uma nota de rodapé nos Evangelhos. Mas, a verdade é que, em tempos de ego inflado e de vaidades explícitas, o bom e velho André tem muito a nos ensinar. Porque ele, diferente dos outros, não era um homem de grandes gestos ou de discursos inflamados. Não, senhor. André era, simplesmente, o irmão de Pedro. O sujeito que aparece sempre nas sombras, nos bastidores da fé, com uma modéstia quase escandalosa para os padrões de hoje. O que é ser o "irmão de Pedro", afinal? É ser aquele que faz o serviço invisível, o trabalho de formiguinha, o que não se importa em ceder o palco e a glória. André foi o primeiro a seguir Jesus e, no entanto, nunca se tornou o grande líder, o grande herói que arrasta multidões. A modernidade, é claro, despreza esse tipo de homem. Em um mundo de flashes, selfies e redes sociais, quem quer ser o coadjuvante da história? Quem aceita ser o André, o sujeito que não reclama a lidera...

Crônica: O Homem Moderno e o Beijo de Judas

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Ah, o homem moderno! Tão civilizado, tão cheio de certezas, de discursos inflamados e de palavras que soam bonitas na teoria, mas que murcham no calor da realidade. O homem de hoje, com sua camisa social impecável e seu celular de última geração, pensa que deixou para trás todos os mitos e lendas do passado. Mas não se engane, meu amigo: o homem moderno é, no fundo, um Judas com um sorriso de marketing, capaz de vender a própria alma — e a dos outros — pelo preço de trinta moedas de conforto. Sim, Judas, o traidor, não está morto. Muito pelo contrário. Ele está mais vivo do que nunca, andando entre nós de cabeça erguida, orgulhoso de seus feitos. Porque o homem moderno olha para Deus e, no fundo de sua alma (se é que ainda acredita ter uma), acha que Ele deveria ser algo mais prático, mais funcional, mais eficiente. Judas, o primeiro homem prático da história, fez o mesmo. Olhou para Jesus, viu seus milagres, ouviu suas palavras sobre amor e perdão, e teve aquela certeza moderníssima: ...

Crônica: O Sofrimento de Jó, Carioca da Gema

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Jó era um típico sujeito do Rio de Janeiro. Nascido e criado em Copacabana, ele tinha aquela altivez disfarçada de modéstia, o andar gingado de quem conhece cada esquina da Zona Sul e o sorriso meio cínico, meio sincero, que só o carioca é capaz de exibir. Não havia ninguém no bairro que não soubesse de sua sorte e prosperidade: o apartamento de frente para o mar, a esposa bonita e fiel, filhos estudando nos melhores colégios particulares, e uma carreira de sucesso como comerciante no Centro, onde todos o respeitavam. Até o síndico do prédio tinha um certo respeito reverente quando falava de Jó. Mas, como bem sabemos, Deus não perdoa a felicidade em excesso, e o Diabo, que nunca sai de férias nem no verão carioca, resolveu testar a fé do nosso Jó. Não levou muito tempo para que a roda da fortuna, que girava alegremente em torno do bom sujeito, começasse a ranger como um bonde velho em Santa Teresa. Tudo começou com um roubo. A lojinha de Jó, que até então prosperava como se fosse abenç...

Berserk: A Tragédia de um Mundo Sem Deus

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Há algo de profundamente visceral, um tom de tragédia grega mesclada com o delírio de um romance naturalista, em Berserk, essa obra que se ergue como uma catedral gótica do desespero. Kentaro Miura, o autor, talha cada página como se fosse um entalhador medieval — meticuloso, feroz, e devoto apenas à carne crua da verdade. Se eu fosse definir Berserk em uma palavra, esta palavra seria "pecado". Porque aqui, como na vida, o pecado é o que rege cada ação, cada escolha, cada gesto. Guts, o protagonista, é o nosso anti-herói por excelência. Um Sísifo medieval, empurrando a rocha do seu ódio e da sua vingança por um inferno de horrores impensáveis. A cada batalha, a cada inimigo desfigurado pela maldade, há um lampejo da nossa própria bestialidade. Guts não é um herói — ele é a anti-heroicidade encarnada, alguém que renunciou à esperança para abraçar o inferno particular de sua existência. Não há luz nos seus olhos, mas o brilho do aço, da espada imensa que ele carrega como um far...

A Economia de um Filho – ou o Pai de Pet

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  Hoje em dia, ter um filho virou luxo. Não há dúvida: em tempos de planilhas e planilhas financeiras, criança saiu de moda. Dizem que custa caro. Muito caro. Alega-se que é um investimento de longo prazo, desses que só dá retorno emocional — e olhe lá. Em contraste, os casais modernos adotam outro tipo de herdeiro, mais “prático”, mais silencioso: o cachorro. Ou o gato. Ou qualquer criatura de quatro patas que permita uma “paternidade” menos custosa. E assim, surgiu o “pai de pet”, uma figura que tenta preencher o espaço do instinto paternal sem o peso real de criar uma vida humana. Por trás dessa substituição, ergue-se uma nova moral: o filho é caro demais, exige tempo, paciência, noites em claro e um orçamento que parece nunca fechar. Já o pet, ah, esse é companheiro, é fiel, mas, acima de tudo, é administrável. Um pacote de ração, um plano de saúde, um veterinário aqui e ali, e pronto — temos a ilusão de família. E então, nas redes sociais, circulam as fotos com legendas onde o...

Crítica : Shameless: A Comédia Trágica da Morte dos Pais

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  "Shameless" não é apenas uma série. Não se enganem. Ela é um espelho, distorcido e grotesco, da decadência moral e educacional que permeia nossas casas, nossas famílias e, principalmente, nossa sociedade. E por mais que a humanidade se escore em seus vícios, rindo do absurdo, a verdade é que não há humor suficiente para salvar a podridão que vemos nas telas. Os Gallagher não são apenas personagens de uma ficção; são os filhos do abandono, da irresponsabilidade e da falta de vergonha de uma geração de pais que se esqueceram do significado mais simples e mais necessário da vida: a paternidade. Frank Gallagher, o protagonista, é o protótipo do pai moderno. Não aquele pai ausente que só falha porque não tem tempo, mas o pai que falha porque escolhe falhar. Ele é alcoólatra, vagabundo, egoísta e desonesto. Mas, o pior de tudo, ele é um reflexo da geração que, com um sorriso de escárnio, se distanciou dos seus filhos, achando que a "liberdade" que pregavam era uma espé...

Chiara Corbella: A Santa que Rasgou o Manual do Desespero

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Chiara Corbella foi dessas mulheres que só se encontra nas fábulas — ou naquelas histórias mal contadas que a avó repete na sala de estar. De aparência frágil, mas com uma força que esmagaria os nossos frágeis conceitos de amor, ela ousou rasgar o manual do desespero com a mesma elegância com que se quebra um cristal. Em tempos de contratos pré-nupciais, amores calculados e medo de se entregar, ela provou que o verdadeiro amor ainda é possível, mesmo à beira da morte. Quando Chiara soube que a vida não lhe daria o tempo que a maioria de nós toma por garantido, decidiu que cada minuto seria um ato de amor. Fez o que poucos fariam: recusou os tratamentos agressivos que poderiam prolongar sua vida, mas colocariam em risco a criança que carregava no ventre. Nasceu Francesco, seu filho, e, ao contrário dos contos de fadas que terminam com um "felizes para sempre", a história de Chiara avançava rumo a um final que, aos olhos de muitos, seria o epílogo mais triste possível. E foi al...