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Mostrando postagens de 2024

Amor Líquido: A Crônica da Solidão Envernizada

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  Quem diria que, em pleno século XXI, o ser humano, esse ser supostamente racional, intelectualizado e munido de toda tecnologia, estivesse tão perdido em seus relacionamentos quanto um náufrago sem boia. O livro "Amor Líquido", de Zygmunt Bauman, desfia com crueza e precisão cirúrgica as entranhas dos relacionamentos modernos, expondo suas misérias com um requinte que faria Lima Barreto se remoer em seu túmulo e Nelson Rodrigues sorrir de prazer amargo. Bauman descreve o amor contemporâneo como um líquido. Não é sólido, não é duradouro — ele escorre pelas mãos, dissolve-se no tempo, evapora ao primeiro sinal de dificuldade. No fundo, o autor nos apresenta um espetáculo tragicômico onde os homens e as mulheres, cheios de apps e perfis, encenam diariamente a mais patética e ridícula das farsas: o desejo de amar sem compromisso. Ah, a liberdade de não se prender a ninguém! Que bela ilusão, uma farsa tão desavergonhada quanto as peças teatrais mais indecentes que já cruzaram os

O Amor à Moda 'Senhor Lagosta' - Quando o Tinder Troca o Drama pela Tragédia Cômica

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  Ontem fui assistir O Lagosta , certamente deixariam o cinema rindo e fumando um cigarro amargo, talvez murmurando entre si: "Afinal, o amor virou mesmo isso?" Porque o filme de Yorgos Lanthimos é uma crítica amarga ao que os relacionamentos se tornaram na era do Tinder — a liquidez de Bauman misturada com a morbidez de um romance kafkiano. Neste mundo distópico, onde você precisa encontrar sua alma gêmea em 45 dias ou acaba transformado em um animal (sim, um animal!), o filme não se distancia tanto da lógica dos "matches" e "desmatches" do Tinder . Afinal, no Tinder também não temos um relógio invisível que conta o tempo até a próxima desilusão, até o próximo "ficante" que desaparece com a mesma facilidade com que surgiu? A diferença é que, no mundo de Lanthimos, a consequência é se tornar um bicho; no nosso, é virar um colecionador de histórias tristes e decepções virtuais. Em O Lagosta , os solteiros são jogados em um hotel opressivo, forçad

A Inveja Cega do Brasileiro: Um Amor Obsessivo pelo Vizinho

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  No Brasil, a inveja é a chaga que devora as relações humanas. É uma praga silenciosa, rasteira, que se disfarça de comentário inocente, de sorriso enviesado e de um elogio maldito. O brasileiro médio, esse ser humano cordial, de coração mole e sorriso fácil, tem na inveja seu amor mais secreto. E o pior de tudo: ele nem percebe. Há quem diga que a inveja é um pecado menor, coisa de alma pequena, mas eu, Nelson Rodrigues, lhes asseguro que ela é um dos maiores cânceres morais do nosso tempo. A inveja do brasileiro não é apenas pelo que o outro tem; é pelo que ele é, pelo que representa, pelo brilho que ele carrega mesmo sem querer. Se o vizinho comprou um carro novo, não é o carro em si que desperta o olhar torcido, mas o fato de que aquele carro parece anunciar que o vizinho, de algum jeito, venceu. E isso dói. A inveja no Brasil não está mais restrita às fofocas da vizinhança ou aos comentários da tia do zap. Ela se infiltrou nas amizades, nas famílias, nos ambientes de trabalho, no

Crítica : A História de um Divórcio - Até que o Ego Nos Separe

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Nada poderia ser mais moderno e mais trágico do que o filme A História de um Divórcio. Ali está a essência de um casamento que foi, desde o início, condenado a ser uma tragédia burguesa. O espectador, iludido pelo charme dos personagens e pela fotografia impecável, assiste a uma autópsia sentimental que escancara os vícios do casamento contemporâneo — uma instituição que, hoje, é levada ao altar como quem vai ao sacrifício, mas que logo se entrega ao altar do divórcio com a mesma facilidade de quem troca de roupa. De certo, A História de um Divórcio não é apenas sobre um casal que se separa. É sobre uma sociedade que perdeu a noção do que é sacrifício, do que é compromisso, e que escolheu o individualismo como lema para a vida. Charlie e Nicole são vítimas e algozes, são a personificação de um casal que, ao tentar se salvar da monotonia, se afunda cada vez mais no egoísmo. Eles se amaram, sim, mas o amor deles sempre teve prazo de validade — o prazo da primeira crise, da primeira dific

O Exorcista do Papa: Um Espetáculo de Horror Diluído

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  “O Exorcista do Papa”, eu sai do cinema com um meio sorriso cínico e uma sobrancelha arqueada, como quem olha para um cadáver mal maquiado. O filme tenta se vestir com a gravidade do horror e com o peso da fé, mas tropeça nos próprios pés ao cair no espetáculo fácil, na caricatura previsível de um tema que, para Nelson, exigiria sutileza e sangue na veia, não só no cenário.  O que temos em “O Exorcista do Papa” é uma mistura de clichês hollywoodianos com uma pitada de exotismo religioso que só consegue ser interessante para quem nunca sujou os sapatos com a poeira das igrejas e as sombras dos confessionários. A possessão demoníaca, que deveria ser o epicentro do terror, aqui parece mais uma dança coreografada, com efeitos especiais brilhantes e previsíveis, mas sem o peso sujo, o odor da decadência humana que Nelson tanto amava explorar. A fé católica, em suas contradições e absurdos, torna-se um elemento de cenário, uma peça de museu usada apenas para criar o ambiente gótico necessá

Crônica: Pedro, o Sanguíneo: Santo por um Triz

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Ah, Pedro! Se tivesse que contar a sua história, seria a história de um santo por acaso, um santo que nasceu da carne e do sangue, da traição e da redenção, do medo e da coragem. Pedro, o Sanguíneo, é um homem com uma alma dividida — uma metade nos céus, e a outra arrastada na lama da humanidade. Pedro é aquele que, ao mesmo tempo, compreende o absurdo da fé e a necessidade desesperada de acreditar nela. Ele é o homem que, por um instante, teve a coragem de ser fraco — e foi exatamente aí que se tornou grande. Imaginem-no no pátio, o fogo da fogueira refletindo em seu rosto suado, e aquelas palavras fatais escapando de sua boca: "Não o conheço!". Cristo, preso, flagelado, sozinho. E Pedro, o primeiro dos apóstolos, a rocha, tremia como um cão acuado. Ah, Pedro não era um herói. Era um covarde, um medroso, um homem como qualquer outro, que olha o perigo nos olhos e, ao invés de enfrentá-lo, desvia o olhar. E é exatamente por isso que Cristo o escolheu. Pedro era a essência da

Crônica: "André, o Apóstolo da Simplicidade

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Ah, o apóstolo André! Um nome que muitos pronunciam sem pensar, como se fosse uma nota de rodapé nos Evangelhos. Mas, a verdade é que, em tempos de ego inflado e de vaidades explícitas, o bom e velho André tem muito a nos ensinar. Porque ele, diferente dos outros, não era um homem de grandes gestos ou de discursos inflamados. Não, senhor. André era, simplesmente, o irmão de Pedro. O sujeito que aparece sempre nas sombras, nos bastidores da fé, com uma modéstia quase escandalosa para os padrões de hoje. O que é ser o "irmão de Pedro", afinal? É ser aquele que faz o serviço invisível, o trabalho de formiguinha, o que não se importa em ceder o palco e a glória. André foi o primeiro a seguir Jesus e, no entanto, nunca se tornou o grande líder, o grande herói que arrasta multidões. A modernidade, é claro, despreza esse tipo de homem. Em um mundo de flashes, selfies e redes sociais, quem quer ser o coadjuvante da história? Quem aceita ser o André, o sujeito que não reclama a lidera

Crônica: O Homem Moderno e o Beijo de Judas

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Ah, o homem moderno! Tão civilizado, tão cheio de certezas, de discursos inflamados e de palavras que soam bonitas na teoria, mas que murcham no calor da realidade. O homem de hoje, com sua camisa social impecável e seu celular de última geração, pensa que deixou para trás todos os mitos e lendas do passado. Mas não se engane, meu amigo: o homem moderno é, no fundo, um Judas com um sorriso de marketing, capaz de vender a própria alma — e a dos outros — pelo preço de trinta moedas de conforto. Sim, Judas, o traidor, não está morto. Muito pelo contrário. Ele está mais vivo do que nunca, andando entre nós de cabeça erguida, orgulhoso de seus feitos. Porque o homem moderno olha para Deus e, no fundo de sua alma (se é que ainda acredita ter uma), acha que Ele deveria ser algo mais prático, mais funcional, mais eficiente. Judas, o primeiro homem prático da história, fez o mesmo. Olhou para Jesus, viu seus milagres, ouviu suas palavras sobre amor e perdão, e teve aquela certeza moderníssima:

Crônica: O Sofrimento de Jó, Carioca da Gema

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Jó era um típico sujeito do Rio de Janeiro. Nascido e criado em Copacabana, ele tinha aquela altivez disfarçada de modéstia, o andar gingado de quem conhece cada esquina da Zona Sul e o sorriso meio cínico, meio sincero, que só o carioca é capaz de exibir. Não havia ninguém no bairro que não soubesse de sua sorte e prosperidade: o apartamento de frente para o mar, a esposa bonita e fiel, filhos estudando nos melhores colégios particulares, e uma carreira de sucesso como comerciante no Centro, onde todos o respeitavam. Até o síndico do prédio tinha um certo respeito reverente quando falava de Jó. Mas, como bem sabemos, Deus não perdoa a felicidade em excesso, e o Diabo, que nunca sai de férias nem no verão carioca, resolveu testar a fé do nosso Jó. Não levou muito tempo para que a roda da fortuna, que girava alegremente em torno do bom sujeito, começasse a ranger como um bonde velho em Santa Teresa. Tudo começou com um roubo. A lojinha de Jó, que até então prosperava como se fosse abenç

Berserk: A Tragédia de um Mundo Sem Deus

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Há algo de profundamente visceral, um tom de tragédia grega mesclada com o delírio de um romance naturalista, em Berserk, essa obra que se ergue como uma catedral gótica do desespero. Kentaro Miura, o autor, talha cada página como se fosse um entalhador medieval — meticuloso, feroz, e devoto apenas à carne crua da verdade. Se eu fosse definir Berserk em uma palavra, esta palavra seria "pecado". Porque aqui, como na vida, o pecado é o que rege cada ação, cada escolha, cada gesto. Guts, o protagonista, é o nosso anti-herói por excelência. Um Sísifo medieval, empurrando a rocha do seu ódio e da sua vingança por um inferno de horrores impensáveis. A cada batalha, a cada inimigo desfigurado pela maldade, há um lampejo da nossa própria bestialidade. Guts não é um herói — ele é a anti-heroicidade encarnada, alguém que renunciou à esperança para abraçar o inferno particular de sua existência. Não há luz nos seus olhos, mas o brilho do aço, da espada imensa que ele carrega como um far

A Economia de um Filho – ou o Pai de Pet

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  Hoje em dia, ter um filho virou luxo. Não há dúvida: em tempos de planilhas e planilhas financeiras, criança saiu de moda. Dizem que custa caro. Muito caro. Alega-se que é um investimento de longo prazo, desses que só dá retorno emocional — e olhe lá. Em contraste, os casais modernos adotam outro tipo de herdeiro, mais “prático”, mais silencioso: o cachorro. Ou o gato. Ou qualquer criatura de quatro patas que permita uma “paternidade” menos custosa. E assim, surgiu o “pai de pet”, uma figura que tenta preencher o espaço do instinto paternal sem o peso real de criar uma vida humana. Por trás dessa substituição, ergue-se uma nova moral: o filho é caro demais, exige tempo, paciência, noites em claro e um orçamento que parece nunca fechar. Já o pet, ah, esse é companheiro, é fiel, mas, acima de tudo, é administrável. Um pacote de ração, um plano de saúde, um veterinário aqui e ali, e pronto — temos a ilusão de família. E então, nas redes sociais, circulam as fotos com legendas onde o “fi

Crítica : Shameless: A Comédia Trágica da Morte dos Pais

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  "Shameless" não é apenas uma série. Não se enganem. Ela é um espelho, distorcido e grotesco, da decadência moral e educacional que permeia nossas casas, nossas famílias e, principalmente, nossa sociedade. E por mais que a humanidade se escore em seus vícios, rindo do absurdo, a verdade é que não há humor suficiente para salvar a podridão que vemos nas telas. Os Gallagher não são apenas personagens de uma ficção; são os filhos do abandono, da irresponsabilidade e da falta de vergonha de uma geração de pais que se esqueceram do significado mais simples e mais necessário da vida: a paternidade. Frank Gallagher, o protagonista, é o protótipo do pai moderno. Não aquele pai ausente que só falha porque não tem tempo, mas o pai que falha porque escolhe falhar. Ele é alcoólatra, vagabundo, egoísta e desonesto. Mas, o pior de tudo, ele é um reflexo da geração que, com um sorriso de escárnio, se distanciou dos seus filhos, achando que a "liberdade" que pregavam era uma espé

Chiara Corbella: A Santa que Rasgou o Manual do Desespero

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Chiara Corbella foi dessas mulheres que só se encontra nas fábulas — ou naquelas histórias mal contadas que a avó repete na sala de estar. De aparência frágil, mas com uma força que esmagaria os nossos frágeis conceitos de amor, ela ousou rasgar o manual do desespero com a mesma elegância com que se quebra um cristal. Em tempos de contratos pré-nupciais, amores calculados e medo de se entregar, ela provou que o verdadeiro amor ainda é possível, mesmo à beira da morte. Quando Chiara soube que a vida não lhe daria o tempo que a maioria de nós toma por garantido, decidiu que cada minuto seria um ato de amor. Fez o que poucos fariam: recusou os tratamentos agressivos que poderiam prolongar sua vida, mas colocariam em risco a criança que carregava no ventre. Nasceu Francesco, seu filho, e, ao contrário dos contos de fadas que terminam com um "felizes para sempre", a história de Chiara avançava rumo a um final que, aos olhos de muitos, seria o epílogo mais triste possível. E foi al

O Amor que Nunca Chega

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  Ah, meus amigos, o que é mais trágico do que o amor não correspondido? Que fatalidade mais grotesca do que esse beijo que nunca foi dado, essa promessa de felicidade que evapora como fumaça? No palco de nossas vidas, onde todos buscam amor, carinho, um toque sincero — e, claro, aplausos para a peça que escrevemos com o coração — há aqueles que, em vez disso, ouvem o estridente som das portas se fechando na cara. Eles estão destinados a encenar sempre o papel do rejeitado, o coitado que leva a rosa à sua amada e volta com um espinho cravado na alma. Homens e mulheres igualmente caem nessa armadilha do destino. O homem que leva o buquê, esperando um sorriso, e recebe um "não" gelado. A mulher que suspira por alguém que não enxerga seu carinho e segue a vida como se ela fosse invisível. Essas são as almas que caminham pela cidade como náufragos, em terra firme, arrastando o peso de suas rejeições e tentando decifrar onde, afinal, foi que tudo desandou.  E o que se faz com esse

Crônica: "Se7en: O Sermão de John Doe para uma Sociedade Pecadora"

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"Se7en" (1995), dirigido por David Fincher, é um thriller policial que explora os lados mais obscuros da natureza humana. Na história, os detetives Somerset (Morgan Freeman) e Mills (Brad Pitt) investigam uma série de assassinatos brutais, onde o assassino em série John Doe (Kevin Spacey) usa os sete pecados capitais como inspiração para seus crimes. Cada assassinato é um retrato cruel de um pecado — gula, avareza, preguiça, luxúria, soberba, inveja e ira — conduzindo os detetives a um final tão perturbador quanto profundo. Em seu coração, "Se7en" é uma reflexão sombria sobre o mal, a justiça e as cicatrizes deixadas pela decadência moral. Ah, "Se7en". Um filme que, se fosse exibido durante a missa, faria a congregação cair de joelhos antes da metade. Afinal, um diretor que transforma o pecado em espetáculo, de certa forma, entendeu o poder da Igreja, não? Ali está o filme, o altar de Fincher, e, nele, a confissão de um mundo onde os pecados capitais deixa

A Forja: Quando o Cinema Visita o Confessionário

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Dizem que o cinema é a vida sem os cortes. Mas, em "A Forja", o que vemos é a vida nos cortejos, naquelas velas acesas do mistério, na penumbra sagrada de uma fé que move montanhas e almas. Se alguém já se perguntou como seria um blockbuster católico, aqui está a resposta: um épico onde o pecado e a redenção se enfrentam em uma arena sem fim, e onde as batalhas não se encerram com o fade-out. A premissa? Um herói — claro, não de capa e espada, mas de joelhos dobrados e cilício à tira colo — que se vê dividido entre o mundo que o cerca e o chamado de algo maior. O roteiro, com aquela cadência que é quase um rosário, vai esculpindo sua luta interna, sua fuga de tentações e quedas. Há um certo rigor na jornada do protagonista que lembra o catecismo dos domingos: o personagem vai sendo moldado, não à imagem do mundo, mas ao reflexo do invisível.  Claro, para o público acostumado aos filmes de heróis que enfrentam vilões com raios de plasma e socos de outro planeta, "A Forja&

Nefarious: O Terror Como Alegoria da Tentação

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Se o diabo fosse brasileiro, ele certamente apareceria em horário nobre, cercado de holofotes e microfones. Mas em Nefarious, o mal não chega a esse nível de estrelismo; ele é mais sutil, quieto, murmurante. Nefarious é um filme de terror que não só explora o sobrenatural, mas também acena com aquele dedo acusador para a sociedade moderna, como quem sussurra: “Vocês acham que sabem o que é mal, mas nem começaram a ver nada.” A trama se desenvolve quase como uma partida de xadrez entre um psiquiatra cético e um condenado à morte que afirma estar possuído. Ora, isso por si só já é uma ironia digna do cinema católico: o homem da ciência versus o homem do abismo. De um lado, a razão contemporânea e pragmática, e de outro, um inferno que carrega um rosário de tentações e manipulações dignas de um confessionário ao avesso. Ali não há explosões, apenas diálogos afiados e perturbadores, como se fosse uma liturgia satânica em que o demônio revela a triste banalidade do mal. No cinema, a tentaçã

O Santo Evangelho Segundo as Panelinhas: Uma Crônica Sobre a Fofoca nas Paróquias

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Era uma vez uma paróquia que, em vez de pecadores, acolhia personagens de novela. Ah, não se engane, caro leitor, essas não eram figuras devotas saídas de um sermão pastoral. Nada disso. Eram aquelas almas meticulosamente aferradas às pastorais como se fossem acionistas majoritárias de uma multinacional do Espírito Santo. Ninguém entra, ninguém sai. E, se tentar entrar, que Deus te proteja – vai precisar de mais que orações para sobreviver à cerimônia não-oficial do boicote passivo. Pois é, na prática, a paróquia, que deveria ser uma extensão do altar, virou o palco de um reality show daqueles: irmãos sorridentes na frente do padre, mas que, nos bastidores, afinam a língua mais que a própria fé. O boicote é silencioso, mas feroz. A nova-velha estratégia da falsa humildade que disfarça o “não se meta na minha pastoral”. E assim, como uma máquina invisível, as “panelinhas santificadas” se organizam para manter seu círculo fechado. É o chamado círculo de oração... pelo ego. Quem chega com

Crônica: A Economia de um Filho

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Imaginem, meus amigos, um casal moderno sentado no sofá, ladeado por tabelas, gráficos e uma calculadora. Como quem se prepara para comprar um carro ou decidir o destino das próximas férias, eles fazem contas. Muitas contas. Tudo minuciosamente calculado. Porque hoje, meus amigos, ter filhos virou um investimento, um projeto de retorno incerto, um cálculo de risco. Como um contrato firmado diante da frieza de uma planilha, eles se perguntam: vale a pena?  O mundo mudou e, com ele, a ideia de família. Mas o que me espanta não é a mudança; é o medo econômico de um filho, como se ele fosse uma compra errada, um capricho que escorrega pelos dedos da conta bancária. Eles discutem os números como quem faz contas para uma viagem à lua: fraldas, escolas, brinquedos, médicos, tudo vem listado, desdobrado, analisado, centavo por centavo. E o futuro da humanidade, o coração pulsante da espécie, é desfeito diante da fria exatidão do Excel. Nos velhos tempos, como sabemos, filhos vinham como quem r

O Sublime e Terrível Mistério da Mulher

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É preciso começar com uma verdade amarga e inescapável: ninguém jamais entenderá completamente uma mulher. Aquele que diz que a decifrou mente para si mesmo ou, pior, engana-se na ilusão de que pode controlar o imponderável. A mulher, com suas múltiplas faces, é uma obra de arte inacabada, pintada com as cores da santidade e do pecado, da doçura e da brutalidade. Como o mar, ela se oferece e se esconde, deixa-se ver e depois se recolhe. E o homem que entra nesse universo precisa saber que navega em águas perigosas e divinas. A mulher não é um enigma para ser resolvido; é uma viagem para ser feita. Ela testa, provoca, subverte. Um sorriso dela pode iluminar a vida de um homem, mas basta um olhar de desdém para fazê-lo sentir-se como um inseto esmagado. Não se iluda, amigo: ela conhece as fraquezas de cada homem, e às vezes, ao testá-lo, parece se divertir com as respostas que recebe. Não é crueldade; é uma lição silenciosa. A mulher, em sua essência, quer saber se ele é digno, se pode l

O Cansaço Crônico do Homem Moderno

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O homem moderno não anda, ele arrasta. Já não acorda, ressurge. E nem respira – apenas se esforça. É uma multidão de almas exaustas, uma procissão de vivos que mais parecem mortos. O brasileiro, antes vigoroso como um cavalo solto no campo, agora se debate como um passarinho preso. Aonde foi parar o ânimo, o fogo de viver? Hoje, todos estão cansados. Da senhora com sacolas na mão ao executivo engravatado; da moça de salto alto ao garoto de mochila. Ninguém mais tem tempo, ninguém mais tem alma. E o mais incrível, o mais absurdo: todos aceitam essa rotina de zumbis com um estranho orgulho, como se o cansaço fosse uma medalha. Basta perguntar “como vai?” e lá vem a resposta: "Ah, estou exausto". Exaustos, sempre exaustos. Esse é o lema do século. O cansaço, meus caros, é o novo "status" – se você não está cansado, é porque não fez nada. Porque quem faz, quem luta, quem "vive" está sempre cansado. E assim seguimos, a glorificar nossa própria fadiga, como se f

A Guerra dos Justos e dos Indiferentes

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Se hoje, no Brasil, alguém erguer a cabeça e prestar atenção, verá que a luta entre patrões e empregados não é uma batalha entre opostos, mas um campo minado de mal-entendidos, falta de discernimento e, acima de tudo, de ausência de propósito comum. A cada esquina, há um chefe que pensa que mandar é o mesmo que oprimir, e um empregado que acredita que servir é o mesmo que se submeter. Patrões e empregados tornaram-se inimigos declarados – não por suas diferenças, mas pela falta de qualquer desejo em comum que os una. Uma guerra fria, sem propósito, sem glória, onde os únicos perdedores são eles mesmos. Nesse cenário, a *Doutrina Social da Igreja*, uma voz que ecoa com discernimento e compaixão, nos alerta sobre os perigos dessa luta sem sentido. Na "Quadragesimo Anno", Pio XI afirma: "A economia e as relações de trabalho não podem ser reduzidas a uma mera relação de compra e venda, onde o homem é reduzido a uma mercadoria. Toda relação humana deve ser fundamentada na jus