O Exorcista do Papa: Um Espetáculo de Horror Diluído
“O Exorcista do Papa”, eu sai do cinema com um meio sorriso cínico e uma sobrancelha arqueada, como quem olha para um cadáver mal maquiado. O filme tenta se vestir com a gravidade do horror e com o peso da fé, mas tropeça nos próprios pés ao cair no espetáculo fácil, na caricatura previsível de um tema que, para Nelson, exigiria sutileza e sangue na veia, não só no cenário.
O que temos em “O Exorcista do Papa” é uma mistura de clichês hollywoodianos com uma pitada de exotismo religioso que só consegue ser interessante para quem nunca sujou os sapatos com a poeira das igrejas e as sombras dos confessionários. A possessão demoníaca, que deveria ser o epicentro do terror, aqui parece mais uma dança coreografada, com efeitos especiais brilhantes e previsíveis, mas sem o peso sujo, o odor da decadência humana que Nelson tanto amava explorar. A fé católica, em suas contradições e absurdos, torna-se um elemento de cenário, uma peça de museu usada apenas para criar o ambiente gótico necessário. O filme não compreende que o verdadeiro horror não está nos efeitos sobrenaturais, mas na luta íntima, nos abismos que se abrem dentro de cada personagem.
Ah, os personagens... Eles são mais planos do que papelão mal cortado. O Papa, o exorcista, o homem de fé, surge como uma caricatura que oscila entre o herói de ação e o velho sábio incompreendido, mas sem a ambiguidade, sem a dor, sem a dúvida que, para Nelson, deveria marcar qualquer um que enfrenta o Mal absoluto. Onde está a fraqueza humana? Onde está a dúvida? Onde está o pecado, que é, afinal, o motor de qualquer boa história? Tudo é resolvido com orações em latim e efeitos de CGI, sem jamais mergulhar no abismo do espírito.
O diabo, essa figura grotesca e ao mesmo tempo fascinante que deveria ser o núcleo da narrativa, aparece como um vilão de filme B, sem nuances, sem o mistério que faz do Mal algo aterrorizante. Nelson, com sua pena ácida, diria que este diabo é um fantoche, um ator cansado que já perdeu o gosto pelo próprio papel. Não há ali o verdadeiro horror — aquele que sussurra no ouvido, que penetra no coração do espectador como uma faca fria. Há, em vez disso, sustos fáceis, barulhos repentinos e uma fotografia que tenta nos fazer acreditar que estamos diante de um mistério profundo, quando, na verdade, estamos vendo apenas a superfície do horror.
E é claro que o filme cai no erro mortal de querer explicar tudo. O mistério, que deveria ser a força de uma história sobre exorcismo, é esmiuçado, analisado, colocado sob a luz dura da razão, até perder completamente a sua força. Nelson Rodrigues, que sabia que a fé, como o amor, só existe nos interstícios do inexplicável, riria do esforço patético dos roteiristas em transformar o sobrenatural em algo científico, quase palpável. O que deveria ser um mergulho nas trevas da alma humana torna-se uma excursão guiada, segura, com trilha sonora e luz de neon.
O "Exorcista do Papa" parece ter medo do próprio tema. Ele evita sujar as mãos, evita o feio, o grotesco, o escuro — tudo aquilo que, faz da vida uma peça teatral tragicômica. O filme tem a profundidade de uma homilia mal escrita, uma tentativa desesperada de assustar sem jamais incomodar verdadeiramente, de provocar calafrios sem jamais tocar a alma.
O verdadeiro exorcismo seria aquele que se passa não só na tela, mas dentro de cada espectador. Um exorcismo que nos fizesse encarar nossos próprios demônios, que nos levasse a sair do cinema com a sensação incômoda de que algo mudou, de que o Mal é real e está sempre à espreita, inclusive dentro de nós. Mas o que “O Exorcista do Papa” nos oferece é um espetáculo vazio, uma tentativa de horror sem horror, de fé sem dúvida, de dor sem redenção.
No fundo, o filme é um exorcismo superficial, um teatro bem ensaiado, sem alma e sem sangue — algo que Nelson Rodrigues desprezaria com um desprezo educado, aquele que ele reservava para as obras que não conseguem sequer incomodar. Para Nelson, “O Exorcista do Papa” seria a encarnação perfeita do que ele mais criticava: a tentativa medíocre de capturar o sublime e o infernal, sem jamais entender o que é, realmente, o humano.
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