O Amor à Moda 'Senhor Lagosta' - Quando o Tinder Troca o Drama pela Tragédia Cômica

 


Ontem fui assistir O Lagosta, certamente deixariam o cinema rindo e fumando um cigarro amargo, talvez murmurando entre si: "Afinal, o amor virou mesmo isso?" Porque o filme de Yorgos Lanthimos é uma crítica amarga ao que os relacionamentos se tornaram na era do Tinder — a liquidez de Bauman misturada com a morbidez de um romance kafkiano.

Neste mundo distópico, onde você precisa encontrar sua alma gêmea em 45 dias ou acaba transformado em um animal (sim, um animal!), o filme não se distancia tanto da lógica dos "matches" e "desmatches" do Tinder. Afinal, no Tindertambém não temos um relógio invisível que conta o tempo até a próxima desilusão, até o próximo "ficante" que desaparece com a mesma facilidade com que surgiu? A diferença é que, no mundo de Lanthimos, a consequência é se tornar um bicho; no nosso, é virar um colecionador de histórias tristes e decepções virtuais.

Em O Lagosta, os solteiros são jogados em um hotel opressivo, forçados a encontrar o amor antes que o tempo acabe. Se falharem, viram o animal de sua escolha — e o protagonista escolhe a lagosta, tão exótica quanto patética. No Tinder, a escolha também é exótica, mas não se trata de qual animal se tornar, mas de qual identidade adotar, de qual fotografia colocar, de que frase engraçada inventar para fisgar uma alma perdida na superfície plana da tela do celular.

Nelson Rodrigues, sempre o provocador, talvez visse no filme a prova de que o amor moderno virou um absurdo — um desespero disfarçado de liberdade. Onde está o romantismo, o drama, a entrega? O Lagosta é a sociedade que se rende ao cinismo e à lógica da eficiência: você precisa amar, mas tem que ser rápido e direto, sem tempo para aquelas cenas de amor suado e cheio de reviravoltas que um bom romance precisa. É como o Tinder, onde o amor não passa de uma questão de algoritmo, de escolher os filtros certos e esperar por uma notificação qualquer.

Lima Barreto, com seu olhar crítico para as mazelas da sociedade, provavelmente diria que O Lagosta escancara o que já suspeitávamos: as pessoas se tornaram produtos num catálogo interminável de opções, cada uma esperando ser "comprada" pelo comprador mais conveniente. O amor, agora, é um supermercado emocional, onde o consumidor não precisa mais se comprometer — só selecionar, e se não gostar, passar para o próximo.

O que Lanthimos nos mostra com seu humor negro é que o amor, quando padronizado, perde a graça. O que nos resta é um jogo de aparências, uma pantomima onde todos fingem se adaptar para não acabar sozinhos, ainda que a solidão seja a única verdade oculta atrás da máscara sorridente. O Lagosta e o Tinder são duas faces da mesma moeda: um mercado onde o amor é uma moeda de troca e a individualidade uma piada.

Ah, Nelson Rodrigues não deixaria de ironizar: “O amor nunca foi para os covardes, e o que vemos agora é um desfile de covardes elegantes, escondidos atrás de perfis perfeitos e ilusões fabricadas.” Porque o que O Lagosta expõe, como um cirurgião que abre o peito doente da sociedade, é a banalidade que tornou o amor descartável, como um papel usado que se amassa e se joga fora.

Talvez, no fundo, Lanthimos queria apenas nos fazer rir de nossa própria tragédia, e rir até doer, porque no amor moderno — e no Tinder — ninguém quer, de fato, amar. Todos querem só evitar a dor de ser humano, de se entregar, de cometer os mesmos erros dos nossos avós que Nelson tanto romantizou e Lima tanto criticou. E assim, o drama do amor virou comédia, e o que nos resta é a risada amarga de quem percebe que, talvez, escolher ser uma lagosta não seja tão absurdo assim — pelo menos as lagostas não precisam de match.


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