Crônica: O Sofrimento de Jó, Carioca da Gema
Jó era um típico sujeito do Rio de Janeiro. Nascido e criado em Copacabana, ele tinha aquela altivez disfarçada de modéstia, o andar gingado de quem conhece cada esquina da Zona Sul e o sorriso meio cínico, meio sincero, que só o carioca é capaz de exibir. Não havia ninguém no bairro que não soubesse de sua sorte e prosperidade: o apartamento de frente para o mar, a esposa bonita e fiel, filhos estudando nos melhores colégios particulares, e uma carreira de sucesso como comerciante no Centro, onde todos o respeitavam. Até o síndico do prédio tinha um certo respeito reverente quando falava de Jó.
Mas, como bem sabemos, Deus não perdoa a felicidade em excesso, e o Diabo, que nunca sai de férias nem no verão carioca, resolveu testar a fé do nosso Jó. Não levou muito tempo para que a roda da fortuna, que girava alegremente em torno do bom sujeito, começasse a ranger como um bonde velho em Santa Teresa.
Tudo começou com um roubo. A lojinha de Jó, que até então prosperava como se fosse abençoada por todos os santos e orixás, foi assaltada. Não levaram só dinheiro, não. Levaram a dignidade de Jó. E foi apenas o primeiro golpe. Logo em seguida, veio a doença, uma maldita alergia de pele que o fez coçar sem parar, de Copacabana até o Largo da Carioca. "O que fiz eu, Senhor?!" gritava Jó, com o sotaque arrastado de quem pede um chopp gelado na esquina do bar.
Os amigos de Jó, aqueles fiéis companheiros de botequim, começaram a visitá-lo. Eram o tipo de amigo carioca que todos têm — solidários na desgraça, mas sempre prontos para dar uma alfinetada: "Meu camarada, você deve ter feito algo de muito grave pra Deus estar puxando seu tapete desse jeito". E Jó, coitado, no meio de um apartamento que começava a mofar com a maresia, apenas suspirava, rindo nervosamente, como quem tenta fingir que está tudo bem quando o caos já tomou conta de Copacabana.
A esposa de Jó, que sempre fora uma mulher de classe, começou a perder a paciência. "Por que não amaldiçoa a Deus e morre, meu bem?", disse ela certa vez, enquanto olhava pela janela as ondas quebrando nas pedras. Mas Jó, típico brasileiro esperançoso, só conseguia responder com um sorriso melancólico: "Eu confio, mulher... Deus tem um plano." E lá se ia ele, para a varanda, de onde via a cidade sorridente lá fora, mas sentia o peso de um mundo que lhe caía sobre os ombros.
Os filhos, esses, perderam qualquer respeito. "Pai, isso é carma", diziam. "Não adianta confiar tanto assim no destino, não, velho!" E Jó apenas coçava a cabeça e dava aquele sorriso amarelado, típico de quem já perdeu a briga mas se recusa a desistir.
As noites de Jó, que antes eram embaladas por festas e jantares nos restaurantes chiques da orla, agora se resumiam a uma solidão angustiada, com ele sentado no sofá da sala, olhando para o Cristo Redentor ao longe, que parecia rir dele, iluminado e distante. Mas Jó, carioca até os ossos, não desistiu. "Vai passar", pensava. E, afinal, passou.
Um dia, o telefone tocou, e uma nova oportunidade apareceu. Um emprego melhor do que antes, uma chance de reconstruir o que fora perdido. O velho Jó, com seu jeito de malandro sofrido, ergueu-se novamente, e lá estava ele, sorridente, de volta às calçadas de Copacabana, com um terno barato e uma fé renovada.
No fim, o que aprendi com o Jó carioca é que o sofrimento tem aquele gosto amargo e salgado, mas também tem samba no pé. Porque, se o carioca não pode mudar o destino, ele ao menos tenta rir da desgraça enquanto toma uma água de coco na praia, esperando que o sol volte a brilhar no horizonte. E, no caso de Jó, voltou. O Diabo, cansado de testá-lo, foi tirar férias no Leblon, e Deus, bem... Deus, no fundo, sempre teve um fraco pelos malandros do Rio.
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