Crônica: O Homem Moderno e o Beijo de Judas

Ah, o homem moderno! Tão civilizado, tão cheio de certezas, de discursos inflamados e de palavras que soam bonitas na teoria, mas que murcham no calor da realidade. O homem de hoje, com sua camisa social impecável e seu celular de última geração, pensa que deixou para trás todos os mitos e lendas do passado. Mas não se engane, meu amigo: o homem moderno é, no fundo, um Judas com um sorriso de marketing, capaz de vender a própria alma — e a dos outros — pelo preço de trinta moedas de conforto.

Sim, Judas, o traidor, não está morto. Muito pelo contrário. Ele está mais vivo do que nunca, andando entre nós de cabeça erguida, orgulhoso de seus feitos. Porque o homem moderno olha para Deus e, no fundo de sua alma (se é que ainda acredita ter uma), acha que Ele deveria ser algo mais prático, mais funcional, mais eficiente. Judas, o primeiro homem prático da história, fez o mesmo. Olhou para Jesus, viu seus milagres, ouviu suas palavras sobre amor e perdão, e teve aquela certeza moderníssima: "Esse aí está desperdiçando o potencial de um verdadeiro revolucionário!"

Ah, como Judas teria adorado a internet! Ele seria o influenciador perfeito, o comentarista ácido de Twitter, o analista político que sempre tem a opinião mais polêmica e certeira. Porque o traidor, no fundo, é aquele que acha que sabe mais do que o próprio Deus. Judas pensou que Jesus precisava de um empurrãozinho, de uma jogada ousada, algo que lhe garantisse a vitória e, quem sabe, um lugar de honra no novo reino. Afinal, que reino é esse que não chega com espadas e revoluções? O homem moderno, com sua fé cínica no progresso e na ciência, faz o mesmo. Quer um Deus que funcione, que se encaixe nas planilhas e que traga resultados concretos. E, se não o encontra, trai.

Como Judas, nós também buscamos um Cristo que nos convenha, que seja prático, que lute pelas nossas causas e pelas nossas agendas. Queremos um Deus que nos justifique, que aceite nossos erros, nossas pequenas traições cotidianas, como se não passassem de pecadilhos desculpáveis. E assim seguimos, cada um de nós com a nossa sacola de moedas, prontos para negociar a fé em troca de algum ganho imediato.

O homem moderno, o novo Judas, não tem paciência para a espera do amor, para o silêncio da contemplação, para a aceitação da dor como caminho de redenção. Quer um Cristo que seja revolucionário, mas não no sentido espiritual; quer um Cristo que quebre as correntes do mercado, que lute contra as injustiças... mas que não mexa na sua própria alma. O novo Judas tem pressa e, se necessário, está disposto a trair, a sacrificar qualquer valor, qualquer princípio, desde que o resultado seja rápido e eficaz.

E é assim que ele caminha, o nosso Judas com terno e gravata, olhando o relógio enquanto aperta a mão de Deus no domingo e o trai na segunda-feira. Porque a traição do homem moderno não é um ato de desespero ou fraqueza. É um gesto de eficiência, uma escolha lógica em um mundo onde tudo tem seu preço e onde até a fé se tornou mercadoria.

Eu vejo o novo Judas em cada esquina, em cada escritório, em cada prédio espelhado da cidade. É o sujeito que fala bonito, que prega moralidades na TV, mas que, no fundo, só deseja o que Judas desejava: um Deus que se dobre à sua vontade. Porque o verdadeiro Cristo, aquele que perdoa, que exige mudança interior, que chama para o sacrifício do ego, é incômodo demais para o homem moderno. E, como Judas, preferimos vendê-lo — nem que seja pelo preço de algumas migalhas de prazer.

E assim, seguimos, cada um de nós, com nosso beijo traidor, tentando disfarçar o vazio interior com os brilhos efêmeros da modernidade. Mas o final da história, meus amigos, é o mesmo: a solidão de Judas, pendurado pelo próprio orgulho, esperando um perdão que só vem quando reconhecemos que não sabemos nada. Porque Deus não é o revolucionário que queríamos. É, sempre foi, e sempre será o que não podemos controlar, o que não podemos moldar à nossa imagem e semelhança.

E enquanto não entendermos isso, seguiremos beijando a face de Cristo com lábios hipócritas, esperando que Ele faça o que queremos. Até o dia em que, como Judas, olharemos para as trinta moedas em nossas mãos e perceberemos que, afinal, elas nunca valeram nada.

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