Crônica: "Se7en: O Sermão de John Doe para uma Sociedade Pecadora"

"Se7en" (1995), dirigido por David Fincher, é um thriller policial que explora os lados mais obscuros da natureza humana. Na história, os detetives Somerset (Morgan Freeman) e Mills (Brad Pitt) investigam uma série de assassinatos brutais, onde o assassino em série John Doe (Kevin Spacey) usa os sete pecados capitais como inspiração para seus crimes. Cada assassinato é um retrato cruel de um pecado — gula, avareza, preguiça, luxúria, soberba, inveja e ira — conduzindo os detetives a um final tão perturbador quanto profundo. Em seu coração, "Se7en" é uma reflexão sombria sobre o mal, a justiça e as cicatrizes deixadas pela decadência moral.



Ah, "Se7en". Um filme que, se fosse exibido durante a missa, faria a congregação cair de joelhos antes da metade. Afinal, um diretor que transforma o pecado em espetáculo, de certa forma, entendeu o poder da Igreja, não? Ali está o filme, o altar de Fincher, e, nele, a confissão de um mundo onde os pecados capitais deixaram de ser meras tentações para virarem nossos hobbies favoritos. 

Em "Se7en", John Doe é o monge autoimolado da nossa hipocrisia. Ele não busca o perdão nem quer redimir ninguém; ele quer, literalmente, esfregar a sujeira em nossos rostos, na esperança de que percebamos que há algo de muito errado em nosso culto ao ego. Com uma moralidade torpe e macabra, ele aplica as penas que nossa geração de hedonistas bem merecia. E o mais irônico? As reações do público. Aquela comoção ao ver cada cena brutal é o próprio retrato da nossa sede por um vilão, alguém que traga a catarse — mas, claro, sem tirar nossa pipoca amanteigada e o conforto da poltrona.

O detetive Somerset bem poderia ser um santo com ímpetos de São Tomé, o homem que não acredita no que vê, mas duvida do que está invisível. Já Mills, um São Pedro moderno, orgulhoso e precipitado, incapaz de ver que o verdadeiro veneno está naquilo que o cerca. Ambos, inconscientemente, são peregrinos na Via Sacra de John Doe, onde cada pecado é um calvário, uma placa luminosa piscando a vergonha de uma sociedade que ri do conceito de "pecado" ao mesmo tempo em que idolatra as suas próprias misérias.

Se olharmos "Se7en" com olhos de um cristão, encontramos ali uma espécie de sermão distorcido. John Doe se coloca como o confessor e o carrasco. Ele quer que a cidade — e nós, os espectadores — entendamos que os pecados capitais não são apenas pecadinhos inofensivos. Para ele, eles são enfermidades que merecem punição. E há, ao mesmo tempo, uma mórbida e quase inevitável identificação com Doe. Quem nunca, ao menos em pensamento, quis dar uma de justiceiro moral? Claro, não com tanto requinte — mas quantos já não imaginaram um mundo onde a preguiça, a avareza e a soberba tivessem um destino sombrio?

No fim, quando Doe se oferece como cordeiro imolado na própria trama que criou, Fincher nos mostra uma espécie de epifania invertida: o sacrifício do mal que se propaga, do pecado que reverbera. Ao contrário de uma redenção clássica, "Se7en" nos dá uma redenção que custa mais caro, uma que não nos purifica, mas nos lembra o quão sujos estamos. É como se o filme fosse um confessionário onde, ao final, saímos com mais perguntas do que absolvições.

Há quem veja em "Se7en" apenas um filme policial sombrio, mas para os olhos de quem lê além do roteiro, ali há uma catequese para a era moderna. Uma mensagem sublinhada em vermelho: o pecado existe, está à espreita e, pior, tornou-se o prato principal do nosso banquete. A ironia é que enquanto nos horrorizamos com John Doe, ignoramos que ele é, em essência, um reflexo exagerado dos sermões que evitamos ouvir, da culpa que empurramos para debaixo do tapete. "Se7en" nos mostra o que acontece quando o pecado é tratado como entretenimento e a virtude, como algo datado.

E assim, saímos da sala de cinema perturbados, mas, na primeira esquina, a gula, a preguiça e a soberba nos aguardam. Não é um filme para se esquecer. "Se7en" é uma confissão em forma de pesadelo, onde o único final feliz seria justamente aquele onde o público percebe que, talvez, estamos todos muito mais próximos de John Doe do que gostaríamos de admitir.

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