Crítica : Shameless: A Comédia Trágica da Morte dos Pais

 

"Shameless" não é apenas uma série. Não se enganem.
Ela é um espelho, distorcido e grotesco, da decadência moral e educacional que permeia nossas casas, nossas famílias e, principalmente, nossa sociedade. E por mais que a humanidade se escore em seus vícios, rindo do absurdo, a verdade é que não há humor suficiente para salvar a podridão que vemos nas telas. Os Gallagher não são apenas personagens de uma ficção; são os filhos do abandono, da irresponsabilidade e da falta de vergonha de uma geração de pais que se esqueceram do significado mais simples e mais necessário da vida: a paternidade.

Frank Gallagher, o protagonista, é o protótipo do pai moderno. Não aquele pai ausente que só falha porque não tem tempo, mas o pai que falha porque escolhe falhar. Ele é alcoólatra, vagabundo, egoísta e desonesto. Mas, o pior de tudo, ele é um reflexo da geração que, com um sorriso de escárnio, se distanciou dos seus filhos, achando que a "liberdade" que pregavam era uma espécie de carta branca para largar as rédeas da educação, da moral e da responsabilidade. Frank não é só um alcoólatra: ele é um ícone da decadência. Ele representa o pai que se esqueceu de sua função básica, que é ser pai. E, ao se negar a ser um exemplo, ele força seus filhos a se tornarem adultos muito antes da hora.

E aqui está o verdadeiro choque da série: o riso. O público se delicia com a desgraça alheia, como se o sofrimento de uma criança fosse uma comédia bizarra. Os filhos de Frank, Fiona, Lip, Ian, Debbie, Carl e Liam, são vítimas dessa maldição. Eles crescem num lar onde os valores são negociáveis, a mentira é a norma e o amor é algo que se dá, mas se exige. A educação deles? Um verdadeiro "salve-se quem puder". Eles são produtos de uma sociedade onde os pais não educam, mas apenas existem. Onde a responsabilidade é um fardo, e a verdadeira paternidade, uma heresia.

E a decadência não se limita ao alcoolismo do pai. Ela está naqueles que "trabalham", mas não trabalham. Está nas mães que se tornam espectadoras do destino dos filhos, sem o menor compromisso de transformá-los em algo melhor. Está no sistema educacional que ensina, mas não educa. E pior, está em uma cultura que exalta a imaturidade, o descaso, a irresponsabilidade, e em última instância, a ausência de valores.

Nelson Rodrigues, se fosse escrever sobre "Shameless", diria que a série é um retrato de uma geração que morreu antes de nascer. Pais que nunca foram pais. Filhos que, por mais que tentem, não conseguem sair do buraco negro que é o descaso familiar. O mais trágico nisso tudo, meus caros, é que não há o mínimo de arrependimento. Não há vergonha. Não há sequer um sinal de tentativa de redenção. Em vez disso, há a celebração do caos.

E é esse o maior pecado de "Shameless": ela não oferece redenção. Ela não oferece cura. Apenas nos faz rir do que deveria ser motivo de choro. Em vez de mostrar a falência de uma família e de uma sociedade, ela se diverte com isso. O mais assustador é que, aos poucos, nos acostumamos a isso. E pior, começamos a achar isso normal.

A educação, meus caros, morreu. Não apenas nas ruas ou nas escolas, mas principalmente dentro de casa. O que vemos em "Shameless" é um reflexo de uma sociedade que se perdeu, onde os pais, em vez de educar, se divertem. E se antes a ausência de um pai era trágica, agora ela é cômica. Mas não se enganem: a tragédia está em nossa cara, e a comédia só mascara o abismo que está à nossa frente.

O que os Gallagher não sabem, e talvez nunca saibam, é que a verdadeira paternidade é feita de disciplina, amor e responsabilidade. E que a comédia da irresponsabilidade vai virar tragédia, uma tragédia sem risos e sem esperanças, se a sociedade continuar a ver a ausência de valores como algo normal.

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