Nefarious: O Terror Como Alegoria da Tentação
Se o diabo fosse brasileiro, ele certamente apareceria em horário nobre, cercado de holofotes e microfones. Mas em Nefarious, o mal não chega a esse nível de estrelismo; ele é mais sutil, quieto, murmurante. Nefarious é um filme de terror que não só explora o sobrenatural, mas também acena com aquele dedo acusador para a sociedade moderna, como quem sussurra: “Vocês acham que sabem o que é mal, mas nem começaram a ver nada.”
A trama se desenvolve quase como uma partida de xadrez entre um psiquiatra cético e um condenado à morte que afirma estar possuído. Ora, isso por si só já é uma ironia digna do cinema católico: o homem da ciência versus o homem do abismo. De um lado, a razão contemporânea e pragmática, e de outro, um inferno que carrega um rosário de tentações e manipulações dignas de um confessionário ao avesso. Ali não há explosões, apenas diálogos afiados e perturbadores, como se fosse uma liturgia satânica em que o demônio revela a triste banalidade do mal.
No cinema, a tentação é muitas vezes retratada com fausto e sedução, mas *Nefarious* prefere o terror existencial, aquele que esfrega na nossa cara a fragilidade da alma humana diante do pecado. O diabo aqui não é o chifrudo com forquilha; é um manipulador psicológico que brinca com nossas dúvidas, medos e falhas. E é aí que o filme se alinha com uma perspectiva católica mais profunda: o mal, afinal, é sutil, penetrante, e muitas vezes não chega com avisos. Vem na rotina, nas nossas pequenas concessões, nos pensamentos que nos fazem vacilar.
Do ponto de vista cinematográfico, Nefarious se aproxima do teatro, quase como uma peça moralista que coloca a plateia diante de um espelho perturbador. Não há alívio cômico, não há intervalo. Somos convidados a testemunhar a degradação do espírito humano e a urgência do arrependimento. Para quem espera a catarse fácil, o filme entrega exatamente o oposto: uma tensão que não se resolve, um convite ao incômodo. Como uma homilia dura de domingo, a narrativa nos confronta com o que preferiríamos deixar para trás.
Talvez o grande mérito de Nefarious seja este: fazer com que o espectador se pergunte, no fundo, onde estão as rachaduras em sua própria vida, aquelas brechas que permitem que algo nefasto se insinue. Não é um filme para entreter, mas para alertar. É cinema católico, ou pelo menos a sombra de um cinema que ousa colocar as almas na balança. Afinal, se o mal existe, ele não é uma caricatura, mas algo mais real, muito mais perturbador.
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